quinta-feira, 8 de maio de 2014

O Intérprete

Autor: Alberto J. Grimm

Não existe Mistério, apenas falta de Interpretação

pueblo
Diz um antigo adágio: "Descobrir é a arte de revirar o que agora não serve, em busca do que serve..."

Diante deles, um imenso corredor revelava que antes de existir qualquer um de sua espécie sobre aquele solo, outros seres mais avançados, também por ali já haviam passado. Pelo menos aqueles sabiam erguer paredes bem feitas, cobertas de argamassa de primeira qualidade, que mesmo depois de passados centenas de anos, sabiam-se lá quantos, ainda permaneciam impecáveis, como se o pedreiro acabasse de ter dado os retoques finais. “Pelo menos em acabamento fino de ambientes, eles eram superiores...”, comentou um dos cientistas ali presente, intrigado com a predisposição natural de sua raça, em não ser muito amiga de ambientes asseados.

Ao descerem até o local das escavações mais recentes, entraram em uma sala, onde se podia ver uma grande mesa, cercada por enormes cadeiras, e arrumada como se um jantar estivesse para ser servido. Certamente que aquele jantar nunca se realizou, pois um evento catastrófico, o mesmo que dizimara toda aquela antiga civilização, acontecera de forma inesperada, antes que alguém fosse capaz de perceber alguma coisa. Vultos cobertos de pó e sentados em volta da grande mesa, como numa espécie de obra bizarra, indicavam que os personagens ainda estavam ali presentes, ao menos o espectro de suas formas, ou o que restara delas.

Observando de perto, perceberam os cientistas, que não poderiam tocar em nenhum deles, pois apenas uma fina camada de poeira acumulada com o tempo e solidificada pela umidade, é que ainda os mantinham na posição de sentados. Com o equipamento certo, as modernas máquinas de ressonância, poderiam ver o que havia escondido dentro de cada um daqueles invólucros de lama petrificada.

Eram seres enormes, bem maiores em tamanho que eles próprios, e a julgar pelas primeiras imagens obtidas no local, também radicalmente diferentes em aspecto físico. Era sem dúvida uma descoberta sem precedentes na história daquele mundo, a maior e mais importante até aquele momento. E examinando mais aquele sítio, descobriram que também, aqueles antigos habitantes, dormiam em camas, que proporcionalmente aos seus tamanhos, eram enormes.

Como o sítio era vasto, a descoberta mais importante de todas, só iria acontecer algumas semanas depois. Tratava-se de uma biblioteca, e de lá saíram os livros que estavam escritos em uma língua incapaz de ser interpretada, até pelos mais destacados cientistas e arqueólogos existentes até então. E quando todos já se davam por vencidos, afinal não havia chance nenhuma de se traduzir uma linha sequer da tal escrita, uma nova e desconcertante descoberta mudou tudo.

Encontrara-se um decodificador, uma espécie de livro que era uma chave mestra, uma espécie de Pedra de Roseta[2], capaz de decifrar tudo que fora escrito por aquele misterioso povo. Estranhamente, o livro decodificador, estava escrito numa língua bem próxima daquela que todos atualmente falavam. Não era um dialeto igual, mas a raiz da linguagem, a estrutura morfológica e mesmo o significado de várias palavras, indicavam que possuíam uma origem comum. Nota-se então que o livro fora escrito numa data posterior a dos textos encontrados no estranho dialeto.

Isso significava dizer que, os autores do livro decodificador, não foram os mesmos autores dos textos originais guardados na biblioteca. Certamente que fora obra de outra civilização, uma posterior, que conhecendo a escrita antiga, e prevendo que tudo poderia se perder, criara o decodificador. Estava escrito em papel indestrutível, imune às reações orgânicas e químicas naturais, não sujeito então à ação do tempo, daí seu perfeito estado de conservação.

E quando os cientistas chegaram a uma conclusão, perceberam que parte daquilo que ora tomavam conhecimento, já fazia parte da sua mitologia, e de antigas tradições há muito esquecidas no tempo. Então uma grande conferência foi organizada para informar o resultado das descobertas. Primeiro ao mundo acadêmico, e depois, como de praxe, apenas uma parte à grande população. E a partir daquele dia, apenas a imaginação dos mais criativos indivíduos daquele povo, não seria suficiente para prever o que viria pela frente; o que mudaria em seu já caótico mundo.

No primeiro diagrama exibido no telão pelo coordenador do grupo de pesquisadores, um espécime de grande porte podia ser visto, e isso logo causou agitação entre todos os convidados. “Senhores”, começou o expositor, “precisamos mais do que nunca, de nossa mente de cientistas e pesquisadores. Isso significa, uma mente que deve estar sempre aberta, livre de dogmas e disposta a questionar toda verdade, até a realidade que nos cerca, a que rege nossos passos e crenças, pois sem isso, talvez não possamos prosseguir”.

A ilustração mostrava um ser semelhante em aparência a eles próprios, ao menos em alguns pontos, especialmente no fato de andarem eretos, de possuírem olhos e boca frontais, um abdômen bem desenvolvido, mas as semelhanças acabavam por aí. “Eles também se comunicavam, como nós, através de palavras, e também possuíam boca, língua, e claro, ouvidos...”, informou o relator.

Mas a revelação que viria a seguir era uma verdadeira provação para todos os presentes, até para o mais cético de todos os céticos. Depois de uma longa pausa, falando com aparente emoção, o cientista chefe, declara:

“Somos na verdade, os últimos descendentes desses antigos seres. Somos uma nova espécie desenvolvida através de engenharia genética, a partir do DNA[3] original deles. Criados de modo a nos tornar mais resistentes, ainda mais adaptáveis, e com mais possibilidade de sobreviver às variações climáticas que eles já sabiam ser inevitáveis. Podemos dizer que fomos criados para uma nova realidade, para um mundo onde eles próprios, com essa estrutura que podemos ver no telão, não conseguiriam sobreviver. Somos seres híbridos, isso quer dizer que o DNA original deles, foi misturado ao DNA de outra espécie também existente naqueles dias, e disso resultou o que agora somos...”.

Quase não dava mais para continuar, pois a inquietação entre os presentes só aumentava. Mas a autoridade e reputação daquele grupo de cientistas responsáveis pela descoberta, estudo e tradução de tudo que fora encontrado, especialmente do relator, era naqueles assuntos, inquestionável. E o papel de todos os espectadores, também indivíduos de ciência, seria deixar de lado todas as resistências pessoais, e se abrirem de vez para a nova realidade, irrefutável por se basear em fatos concretos, comprovados, assim como exige tudo que se presta a ter apoio e reconhecimento cientifico. E prossegue ele:

“Aqueles seres alcançaram um grande progresso cientifico, e ao seu DNA pessoal, acrescentaram o DNA de outro animal existente, este capaz de proezas quando o assunto era sobreviver em ambientes inóspitos, impróprios à vida, ao menos para o modo como viviam naqueles tempos. Senhores, podemos então chamá-los de nossos Criadores ou deuses, já que a partir de si mesmos, nos criaram como somos agora...”, ele suspira. Toma um gole de água, observa o salão onde agora o silêncio é apenas quebrado pelo barulho da central de ar, se afasta da tribuna e se dirige ao meio do palco, e percorre a si mesmo com os olhos, e voltando-se para o auditório diz para todos:

“Somos uma evolução podemos afirmar. Em comparação aos nossos criadores, que possuíam apenas dois braços, dependiam de uma enorme quantidade de alimentos e energia para manter sua altura média de 1,80 centímetros, e não podiam, como nós, que hoje temos apenas quinze centímetros de altura, voar. No entanto, herdamos muita coisa deles, até o nome da espécie, e se hoje, como eles, somos chamados de HUMANOS, nosso parente secundário, de onde foi extraído o DNA que nos deu a adaptabilidade e capacidade de sobreviver nos ambientes mais improváveis, de nos alimentarmos de quase tudo que existe, aquele do qual herdamos maravilhosos quatro braços e asas, chamava-se simplesmente, BARATA.”

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