sexta-feira, 21 de novembro de 2014



ENCONTRO DE EXTREMOS


            Foi uma viagem e tanto. Mercúrio percorreu rapidamente os quase cinco bilhões de quilômetros que o separam de Plutão. Isso sem olhar para trás, a uma velocidade de cento e oitenta mil quilômetros por hora (eu disse “cento e oitenta mil quilômetros por hora!”), e sem parar, nem para um xixizinho. Foram mais de mil dias de viagem incrível através do Sistema Solar. Ele levava na mala o que ainda era um mistério para os planetas – documentos secretíssimos falando de coisas estranhas e perigosas que estavam acontecendo no planeta Terra.
            Assim que entrou na órbita de Plutão, Mercúrio olhou para trás. Lá longe está o Sol. Já não lhe parecida aquele gigante em chamas que o impressionava. Mesmo assim, era a estrela mais brilhante que ele podia ver daquele ponto do Universo.
Você já deve ter percebido que esta é uma história de planetas. Para eles, as coisas se passam de maneira um pouco diferente do que para nós. Por exemplo: quando eu disse que a viagem de Mercúrio até Plutão foi rápida, quis dizer que foi rápida para um planeta. Mais de mil dias é um tempo grande para a gente, mas é pequeno para os planetas, pois eles podem viver bilhões de anos.
            Outra coisa diferente nesta história é que o que é mistério para os personagens (os planetas) pode não ser mistério para nós. É possível que você saiba quais as coisas estranhas e perigosas que se passam na Terra. Entretanto, pode ser que não se lembre. Nesse caso, este livro há de refrescar sua memória.
            Mas voltemos a Mercúrio. Como você deve ter aprendido, trata-se do planeta mais próximo do Sol. Por isso, os gases flamejantes1 quase encostam nele. Lá, a temperatura é tão alta durante o dia que, se houvesse chumbo em sua superfície, derreteria, formando rios e mares metálicos. Mas, para ser sincero, até que Mercúrio gosta desse calorzinho. Ainda mais que, à noite, a temperatura cai para – 170º C e ele se congela.
            Nosso herói estava muito longe de casa. Fazia frio e a temperatura, próxima de zero absoluto (que é frio mais de todos os frios), era insuportável. Para Mercúrio, significava resfriado na certa. Acontece que o seu cargo de mensageiro dos planetas o obriga a cumprir as mais perigosas missões, e não seria um simples resfriado que o impediria de cumprir mais essa.
            Além do mais, resfriado não é novidade. Por causa de seus dias muito compridos e da atmosfera muito rarefeita2, que não espalha bem o calor, os dias de Mercúrio são quentíssimos, e as noites, friíssimas. Por isso, mesmo quando descansa em sua órbita, ele vive às voltas com febre, calafrios, nariz escorrendo etc. Coisas que quem já teve gripe sabe como são: a gente quer brincar, nadar ou tomar um sorvete e não pode. No caso de Mercúrio é ainda pior, porque ele tem alergia a poeira cósmica, o que sempre vira bronquite. Aí, só com inalação de vento solar.
            ― Ô de casa! A-a-atchim! – Pronto, estava resfriado. ― Ô de casa! ― repetiu.
Nada.
            “Por onde anda Plutão?”, perguntou-se.
            Já que Plutão não estava, até pensou em dar uma olhada além das fronteiras do Sistema Solar. A curiosidade era grande. Mas não se atreveu porque lembrou do que tinha acontecido a Netuno. Se um planeta poderoso como Netuno fora tão terrivelmente afetado, o que aconteceria a ele, o pobre
mensageiro dos planetas?
            De repente, tudo escureceu. Alguém ou alguma coisa passou em frente ao Sol provocando um eclipse total. Mercúrio entrou em pânico. Tinha que fugir rapidamente. Mas para onde? Não via nada. Súbito3, um bafo gelado em seus ouvidos arrepiou-lhe todos os meridianos.
            ― Ei, rapaz... Aonde vai com tanta pressa... Cuidado... Vê se olha por onde anda...
            Mercúrio se virou e notou um fraco mas ameaçador brilho esbranquiçado se aproximando. Era Plutão que sorria horrivelmente, mostrando dentes pontiagudos de metano congelado. O mensageiro tremeu nas bases.  (...)
Marcelo R. L. Oliveira, Reunião dos Planetas. Editora Companhia das Letrinhas, 2006.


 

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