terça-feira, 24 de novembro de 2015



Leia o texto abaixo.
Grande Edgar
Já deve ter acontecido com você.
– Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. [...]
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, curto, grosso e sincero.
– Não. [...]
O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. [...] Você deveria ter vergonha. [...] Outro caminho, menos honesto, mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
– Não me diga. Você é o... o...
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. [...]. Ou você pode dizer algo como:
– Desculpe, deve ser a velhice, mas...
Este também é um apelo à piedade. Significa “não tortura um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!”. [...]
E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
– Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso! Há provas estatísticas de que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. [...] Você ainda arremata:
– Há quanto tempo! [...]
Quem será esse cara meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas no meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, [...].
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
– Cê tem visto alguém da velha turma?
– Só o Pontes.
– Velho Pontes! ([...] Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...) [...]
– Sabe que a Ritinha casou? [...]
– Com quem?
– Acho que você não conheceu. O Bituca. (Você abandonou todos os escrúpulos. [...] Como que não conhece o Bituca?)
– Claro que conheci! Velho Bituca...
– Pois casaram.
É a sua chance. É a saída. Você passou ao ataque.
– E não avisou nada? [...]
– Desculpe, Edgar. É que...
– Não desculpo não. [...] (Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar.
Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima ideia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”.)
– Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
– Certo, Edgar. E desculpe, hein? [...]
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.

1. Esse texto é um fragmento de
A) crônica.
B) entrevista.
C) notícia.
D) resumo.
E) romance.

2. De acordo com esse texto, o narrador diz que conhece o interlocutor, porque
A) deseja saber notícias dos amigos.
B) está atrasado para um compromisso.
C) não quer magoá-lo.
D) não quer prolongar a conversa.
E) sente-se esquecido.

3. O trecho “Você deveria ter vergonha” (ℓ. 9) está relacionado ao fato de o interlocutor da conversa
A) chamar o narrador de Edgar.
B) dar detalhes sobre o casamento de Ritinha.
C) envolver-se em um lance arriscado.
D) escolher o terceiro caminho.
E) perguntar se o narrador lembrava-se dele.

4. No trecho “Você é o... o...” (ℓ. 11), o uso das reticências expressa
A) decepção.
B) dúvida.
C) ironia.
D) preocupação.
E) suspense.

5. Sobre o fato de o narrador afirmar ao interlocutor que lembrava-se dele, há uma opinião em:
A) “Um, curto, grosso e sincero”. (ℓ. 6)
B) “Outro caminho, menos honesto, mas igualmente razoável”. (ℓ. 10)
C) “não tortura um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!”. (ℓ. 14-15)
D) “Você não quer magoá-lo, é isso!”. (ℓ. 19)
E) “É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso”. (ℓ. 25)

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