segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Foto de Landscape & Eftelya.

TEXTO: MEU IDEAL SERIA ESCREVER... – Rubem Braga
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – “ai meu Deus, que história mais engraçada!” E então a contasse para a  cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa(que não sai de casa), enlutada (profundamente triste), doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o  próprio riso, e depois repetisse para si própria – “mas essa história é  mesmo muito engraçada!” Que  um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante  aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada como o marido, que  esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e
começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que  esta, apesar de sua má-vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o
outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse  do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida  de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera, a minha história chegasse – e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário ((autoridade policial) do distrito (divisão territorial em que se exerce autoridade administrativa,
judicial, fiscal ou policial), depois de ler minha história, mandasse  soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na  calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que diabo! Eu não
gosto de prender ninguém!” E que assim todos tratassem melhor seus  empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea  homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa (habitante da antiga Pérsia, atual Irã), na Nigéria (país da África), a um australiano, em Dublin
(capital da Irlanda), a um japonês, em Chicago – mas que em todas as  línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto  surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito
pobre, muito sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história  assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter  vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada
por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos  ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto;  sim, deve ser uma história do céu que se
filtrou (introduziu-se lentamente em) por acaso até nosso conhecimento; é divina.”
 
E  quando todos me perguntassem – “mas de onde é que você tirou essa  história?” – eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso
na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que  por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma  história...” E  eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a  minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça  que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha  naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.


INTERPRETAÇÃO DO TEXTO


01) Por que o autor deseja escrever uma história engraçada?
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02) Por que ele diz que a moça tem uma casa cinzenta, e não verde, azul ou amarela?
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03)  Ao descrever um raio de sol, o autor lhe atribui características que, de certa forma, se opõem às da moça. Cite algumas dessas características opostas.
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04) Como você interpretaria a oração “que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria”?
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05) O autor sonha em tornar mais felizes e sensíveis apenas as pessoas de seu país? Justifique.
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06) Relacione as colunas conforme as reações das pessoas diante da história:
(a) moça triste                     (     ) libertaria os detentos, dizendo-lhes para se comportarem, pois não gostava de prender ninguém
(b) amigas da moça triste       (     ) sentir-se-ia tão feliz que se lembraria do alegre tempo de namoro
(c) casal mal-humorado             ) ficariam espantadas com a alegria repentina da moça
(d) comissário do distrito         (     ) concluiria que teria valido a pena viver tanto, só para ouvir uma história tão
engraçada
(e) sábio chinês         ) ficaria feliz e contaria a história para a cozinheira e as amigas

07)  Por que o autor não contaria aos outros que havia inventado a história  engraçada para alegrar a moça triste e doente? Copie a alternativa  correta:
(a) (  ) porque, na verdade, a moça triste não existia
(b) (  ) por que ele mesmo não achava a história engraçada
(c) (  ) por modéstia e humildade
(d) (  ) porque não acreditariam que ele fosse capaz de inventar aquela história


08) Afinal, que história Rubem Braga inventou para alegrar e comover tantas pessoas?
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09) Na sua opinião, o que mais sensibiliza as pessoas: histórias engraçadas ou dramáticas? Justifique.

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