terça-feira, 20 de dezembro de 2016

EM QUE ÁRVORE CAI SEU ANIVERSÁRIO?



EM QUE ÁRVORE CAI SEU ANIVERSÁRIO?
23 DEZ a 01 JAN -> Macieira

02 JAN a 11 JAN -> Abeto

12 JAN a 24 JAN -> Olmo

25 JAN a 03 FEV -> Cipreste

04 FEV a 08 FEV -> Álamo

09 FEV a 18 FEV -> Cedro

19 FEV a 28 FEV -> Pinheiro

01 MAR a 10 MAR -> Sauce chorão

11 MAR a 20 MAR -> Limoeiro

21 MAR -> Roble

22 MAR a 31 MAR -> Avelã

01 ABR a 10 ABR -> Serbo
11 ABR a 20 -> Árvore de Maple

21 ABR a 30 ABR -> Nogal

01 MAI a 14 MAI -> Álamo

15 MAI a 24 MAI -> Castanheira

25 MAI a 03 JUN -> Fresno

04 JUN a 13 JUN -> Carpe

14 JUN a 23 JUN -> Figueira

24 JUN -> Abedul

25 JUN a 04 JUL -> Macieira

05 JUL a 14 JUL -> Abeto

15 JUL a 25 JUL -> Olmo

26 JUL a 04 AGO -> Cipreste

05 AGO a 13 AGO -> Álamo

14 AGO a 23 AGO -> Cedro

24 AGO a 02 SET -> Pinheiro

03 SET a 12 SET -> Sauce Chorão

13 SET a 22 SET -> Limoeiro

23 SET -> Oliveira

24 SET a 03 OUT -> Avelã

04 OUT a 13 OUT -> Serbo

14 OUT a 23 OUT -> Árvore de maple

24 OUT a 11 NOV -> Nogal

12 NOV a 21 NOV -> Castanheira

22 NOV a 01 DEZ -> Fresno

02 DEZ a 11 DEZ -> Carpe

12 DEZ a 21 DEZ -> Figueira

 22 DEZ -> Haya


 









OS DOZE TRABALHOS



OS DOZE TRABALHOS


"... E naquela manhã, Deus compareceu ante Suas doze crianças e em cada uma delas plantou a semente da vida humana. Uma por uma, cada criança deu um passo à frente para receber o dom e a função que lhe cabia."
 
"Para ti, ÁRIES, dou a primeira semente, para que tenhas honra de plantá-la. Para cada semente que plantares, mais outro milhão de sementes se multiplicará em suas mãos. Não terás tempo de ver a semente crescer, pois tudo o que plantares criará cada vez mais e mais para ser plantado. Tu serás o primeiro a penetrar o solo da mente humana levando Minha Idéia. Mas não cabe a ti alimentar e cuidar dessa idéia, nem questioná-la. Tua vida é ação, e a única ação que te atribuo é dar o passo inicial para tornar os homens conscientes da Criação. Por este trabalho, Eu te concedo a virtude do Respeito por Si Mesmo". Silenciosamente, ÁRIES retornou ao seu lugar.
 
"TOURO, a ti dou o poder de transformar a semente em substância. Grande é a tua tarefa e requer paciência, pois tens que terminar tudo o que foi começado, para que as sementes não sejam dispersadas pelo vento. Não deves, assim questionar; também não deves mudar de idéia no meio do caminho, nem depender dos outros para a execução do que te peço. Para isso, Eu te concedo o dom da Força. Trata de usá-la sabiamente!" E o TOURO voltou ao seu lugar.

"A ti, GÊMEOS, Eu dou as perguntas sem respostas, para que possas levar a todos um entendimento daquilo que o homem vê ao seu redor. Tu nunca saberás por que os homens falam ou escutam, mas em tua busca pela resposta encontrarás o Meu dom, reservado a ti: o Conhecimento".
E GÊMEOS voltou ao seu lugar.

 
"A ti, CÂNCER, atribuo a tarefa de ensinar aos homens a emoção. Minha idéia é que provoques neles risos e lágrimas, de modo que tudo o que eles vejam e sintam desenvolva uma plenitude desde dentro. Para isso, Eu te dou o dom da Família, para que tua plenitude possa se multiplicar".
E CÂNCER voltou ao seu lugar.

 
"A ti, LEÃO, atribuo a tarefa de exibir ao mundo Minha Criação em todo o seu esplendor. Mas deves ter cuidado com o orgulho e sempre lembrar que é Minha a Criação, e não tua. Se o esqueceres, será desprezados pelos homens. Há muita alegria em teu trabalho; basta fazê-lo bem. Para isso, Eu te concedo o dom da Honra".  E LEÃO voltou ao seu lugar.

 
"A ti, VIRGEM, peço que empreendas um exame de tudo o que os homens fizeram com Minha Criação. Terás que observar com perspicácia os caminhos que percorrem e lembrá-los de seus erros, de modo que através de ti Minha Criação possa ser aperfeiçoada. Para que assim o faças, Eu te concedo o dom da Pureza".  E VIRGEM voltou ao seu lugar.

 
"A ti, LIBRA, dou a missão de servir, para que o homem esteja ciente dos seus deveres para com os outros; para que ele possa compreender a cooperação, assim como a habilidade de refletir o outro lado de suas ações. Hei de te levar onde quer que haja discórdia, e por teus esforços te concederei o dom do Amor". E LIBRA voltou ao seu lugar.

 
'A ti, ESCORPIÃO, darei uma tarefa muito difícil. Terás a habilidade de conhecer a mente dos homens, mas não te darei a permissão de falar sobre o que aprenderes. Muitas vezes te sentirás ferido por aquilo que vês, e em tua dor te voltarás contra Mim, esquecendo que não sou Eu, mas a perversão de Minha Idéia, o que te faz sofrer. Verás tanto e tanto do homem enquanto animal, e lutarás tanto com os instintos em ti mesmo, que perderás o teu caminho; mas quando finalmente voltares, terei para ti o dom supremo da Finalidade". E ESCORPIÃO retornou ao seu lugar.

 
"A ti, SAGITÁRIO, Eu peço que faças os homens rirem, pois entre as distorções da Minha Idéia eles se tornam amargos. Através do riso darás ao homem a esperança, e por ela voltarás seus olhos novamente para Mim. Chegarás a ter muitas vidas, ainda que só por um momento; e em cada vida que atingires, conhecerás a inquietação. A ti, SAGITÁRIO, darei o dom da Infinita Abundância, para que te possas expandir o bastante, até atingir cada recanto onde haja escuridão, e levar aí a luz" E SAGITÁRIO voltou ao seu lugar.

 
"De ti, CAPRICÓRNIO, quero o suor da tua fronte, para que possas ensinar aos homens o trabalho. Não é fácil tua tarefa, pois sentirás todo o labor dos homens sobre teus ombros: mas, pelo jugo de tua carga, te concedo o dom da Responsabilidade". E CAPRICÓRNIO voltou ao seu lugar.

 
'A ti, AQUÁRIO, dou o conceito de futuro, para que através de ti o homem possa ver outras possibilidades. Terás a dor da solidão, pois não te permito personalizar o Meu amor. Para que possas voltar os olhares humanos em direção a novas possibilidades, Eu te concedo o dom da Liberdade, de modo que, livre, possas continuar a servir a humanidade onde quer que ela esteja".  E AQUÁRIO voltou ao seu lugar.

 
"A ti, PEIXES, dou a mais difícil de todas as tarefas. Peço-te que reúna todas as tristezas dos homens e as traga de volta para Mim. Tuas lágrimas, serão, no fundo, Minhas lágrimas. A tristeza e o padecimento que terás de absorver são o efeito das distorções impostas pelo homem à Minha Idéia, mas cabe a ti levar até ele a compaixão, para que possa tentar de novo. Por esta tarefa, Eu te concedo o dom mais alto de todos: tu será os único de Meus doze filhos que Me compreenderá. Mas este dom do Entendimento é só para ti, PEIXES, pois quando tentares difundi-lo entre os homens, eles não te escutarão".
E PEIXES voltou ao seu lugar.
 
".... Então Deus completou: cada um de vós é perfeito, mas não compreenderei isto até que vocês doze sejam UM. Agora vão"!
 
"E as doze crianças foram embora executar sua tarefa da melhor maneira..."
 
 
A 'alegoria' reproduzida acima é de autoria do astrólogo inglês Martin Schulman e consta de seu livro 'Karme Astrology the Moon's Nodes and a Remeartation', de 1977. Na sua singeleza, ele reproduz os aforismos essenciais da Criação.



OS SIGNOS NA VISÃO DO ANALISTA DE BAGÉ



OS SIGNOS NA VISÃO DO ANALISTA DE BAGÉ
ÁRIES - Bicho mais fogueteiro e metido não tem. Ele atropela todo mundo que nem bagual solto em feira de porcelana. Tem mania de ser sempre primeiro. E é: o primeiro...lôco!
TOURO - Esse quer ser o maior dos latifundiários : dono das estância, dos rebanho, das plantação. Se bobear, invade o planeta inteiro. Mas tem desculpa: é ele quem dá o churrasco, faz as trova, declama e toca a gaita. Êta índio bagual!
GÊMEOS - Esse vivente só quer prosear, assuntar. É o mascate do zodíaco, o leva-e-traz. Sabe de tudo e sabe contá causo que é uma beleza. Não esquenta banco e parece que tem bicho carpinteiro. Lá em Brasília tem um índio velho que não pára, só quer andar de avião prá lá e prá cá com a prenda do lado. Um pedaço de picanha prá quem adivinhá quem é o dito.
CÂNCER - Esse é chorão que é um inferno. Tem uma memória do cão, se lembra tim tim por tim tim quem ganhou cada Califórnia e cada grenal, e sabe de cor tudo o que tu disse prá ele naquele 4 de maio de 1984. Mas é o dono da posada e o que te prepara o putchero nas noites de Minuano. É dos piores.
LEÃO - Foi por causa desse que inventaram o tal de complexo de superioridade. Bicho mais convencido, não há. É o primeiro prêmio em interpretação nos festival, arrasa na chula, é a mais bela prenda e o rei do gado. Exige respeito e não consegue ficar na mesma sala com uma TV ligada, pois que não admite concorrência. Vai sê o chefe da ala dos Napoleão lá no São Pedro.
VIRGEM - Virge! Cruzes! esse é roxo por limpeza. Tu acaba de assar o churrasco e ele já tá lavando os espeto. Tem cuia própria pro mate, porque é mais higiênico, e tá sempre de vassoura na mão. Parece normal, mas é dos mais maníacos.
LIBRA - É danado de namorador. Só quer pezinho prá cá e pezinho prá lá. Não faz outra cosa. Também adora se meter em política, mas só fica olhando em cima do muro, enquanto a indiada dá um duro aqui embaixo. Metido a aristocrata, come churrasco com garfo e faca e usa guardanapo. Nem sei se não usa cuecão de florzinha por baixo das bombacha, mas pode ir tirando o cavalinho da chuva, porque é só frescura. Ele não é veado!
ESCORPIÃO - O Loco dos Loco. Prá puxá o facão não faz cerimônia. Mas depois de todo o estardalhaço, fica com uma cara de culpado e arrependido, que irrita até a mãe dele. Não perde a mania de mexer nos trauma... dos outros. O velho Freud, que também não era dos mais normal, tinha o tal de ascendente em escorpião. Esse nem com banda...
SAGITÁRIO - O índio aqui acha que é o verdadeiro centauro dos pampas, citado várias vezes pelos nossos historiadores. Se perdeu do seu bando e não sabe se foi perto de Vacaria ou de Pelotas, de tão loco. Se alguém quiser se comunicar com ele, é: e-mail: coice de mula.barbaridade.ctg.a la fresca.tchê.Bagé..
CAPRICÓRNIO - Esse é o introvertido. Metido a tímido, mas foi ele quem descobriu o complexo de inferioridade. Não quer incomodar, e prá fazê ele entrá no rancho ou se chegá prá roda de chimarrão é um custo. Não se acha nada, sonha com ele no futuro, que é quando ele acha que vai existir. Otro que só internando!!
AQUÁRIO - Ele qué mudá o mundo. Não muda nem as tela dos galinheiro e as lâmpada queimada. Adora uma revolução, um protesto ou deixar o povaréu de cabelo em pé. No fundo o que ele quer é aparecer.
PEIXES - Já esse, o que quer é desaparecer. Vive com a cabeça nas nuvens, viajando... Diz que conversa com o Boitatá, já viu o Negrinho do Pastoreio, e recebe o Sepé Tiarajú. Mas o que tem de doido tem de bonzinho. É só não contrariar.
                       

(LUIZ FERNANDO VERISSIMOS)














terça-feira, 22 de novembro de 2016

 

Além da nossa visão 

Quando Deus traça um rumo na nossa vida,nada nem ninguém é capaz de distorcer as curvas nos nossos desertos.
                                      ILUSTRE CASA DE RAMIRES
Eça de Queirós
Capítulo X
(Fragmento)
Até noite alta Gonçalo, passeando pelo quarto, remoeu a amarga certeza de que sempre, através de toda a sua vida (quase desde o colégio de S. Fiel!), não cessara de padecer humilhações. E todas lhe resultavam de intentos muito simples, tão seguros para qualquer homem como o voo para qualquer ave - só para ele constantemente rematados por dor, vergonha ou perda! A entrada da vida escolhe com entusiasmo um confidente, um irmão, que traz para a quieta intimidade da Torre - e logo esse homem se apodera ligeiramente do coração de Gracinha e ultrajosamente a abandona! Depois concebe o desejo tão corrente de penetrar na Vida Política - e logo o Acaso o força a que se renda e se acolha à influência desse mesmo homem, agora Autoridade poderosa, por ele durante todos esses anos de despeito tão detestada e chasqueada! Depois abre ao amigo, agora restabelecido na sua convivência, a porta dos Cunhais, confiado na seriedade, no rígido orgulho da irmã - e logo a irmã se abandona ao antigo enganador, sem luta, na primeira tarde em que se encontra com ele na sombra favorável dum caramanchão! Agora pensa em casar com uma mulher que lhe oferecia com uma grande beleza uma grande fortuna - e imediatamente um companheiro de Vila-Clara passa e segreda: - "A mulher que escolheste, Gonçalinho, é uma marafona cheia de amantes!" Decerto essa mulher não a amava com um amor nobre e forte! Mas decidira acomodar nos formosos braços dela, muito confortavelmente, a sua sorte insegura - e eis que logo desaba, com esmagadora pontualidade, a humilhação costumada. Realmente o Destino malhava sobre ele com rancor desmedido!
- E por quê? - murmurava Gonçalo, despindo melancolicamente o casaco. - Em vida tão curta, tanta decepção... Por quê? Pobre de mim!
Caiu no vasto leito como numa sepultura - enterrou a face no travesseiro com um suspiro, um enternecido suspiro de piedade por aquela sua sorte tão contrariada, tão sem socorro. E recordava o presunçoso verso do Videirinha, ainda nessa noite proclamado ao violão:
Velha Casa de Ramires Honra e flor de Portugal!
 Como a flor murchara! Que mesquinha honra! E que contraste o do derradeiro Gonçalo, encolhido no seu buraco de Santa Irenéia, com esses grandes avós Ramires cantados pelo Videirinha - todos eles, se História e Lenda não mentiam, de vidas tão triunfais e sonoras! Não! nem sequer deles herdara a qualidade por todos herdada através dos tempos - a valentia fácil. Seu pai ainda fora o bom Ramires destemido - que na falada desordem da romaria da Riosa avançava com um guarda-sol contra três clavinas engatilhadas. Mas ele... Ali, no segredo do quarto apagado, bem o podia livremente gemer - ele nascera com a falha, a falha de pior desdouro, essa irremediável fraqueza da carne que, irremediavelmente, diante de um perigo, uma ameaça, uma sombra, o forçava a recuar, a fugir... A fugir de um Casco. A fugir dum malandro de suíças louras que, numa estrada e depois numa venda, o insulta sem motivo, para meramente ostentar pimponice e arreganho. Ah vergonhosa carne, tão espantadiça!
E a Alma... Nessa calada treva do quarto bem o podia reconhecer também, gemendo. A mesma fraqueza lhe tolhia a Alma! Era essa fraqueza que o abandonava a qualquer influência, logo por ela levado como folha seca por qualquer sopro. Porque a prima Maria uma tarde adoça os espertos olhos e lhe aconselha por trás do leque que se interesse pela D. Ana - logo ele, fumegando de esperança, ergue sobre o dinheiro e a beleza de D. Ana uma presunçosa torre de ventura e luxo. E a Eleição? essa desgraçada Eleição? Quem o empurrara para a Eleição, e para a reconciliação indecente com o Cavaleiro, e para os desgostos daí emanados? O Gouveia, só com leves argúcias, murmuradas por cima do cache-nez desde a loja do Ramos até a esquina do Correio! Mas quê! mesmo dentro da sua Torre era governado pelo Bento, que superiormente lhe impunha gostos, dietas, passeios, e opiniões e gravatas! - Homem de tal natureza, por mais bem dotado na Inteligência, é massa inerte a que o Mundo constantemente imprime formas várias e contrárias. O João Gouveia fizera dele um candidato servil. O Manuel Duarte poderia fazer dele um beberrão imundo. O Bento facilmente o levaria a atar ao pescoço, em vez duma gravata de seda, uma coleira de couro! Que miséria! E todavia o Homem só vale pela Vontade - só no exercício da Vontade reside o gozo da Vida. Porque se a Vontade bem exercida encontra em torno submissão - então é a delícia do domínio sereno; se encontra em torno resistênciam - então é a delícia maior da luta interessante. Só não sai gozo forte e viril da inércia que se deixa arrastar mudamente, num silêncio e macieza de cera... Mas ele, ele, descendendo de tantos varões famosos pelo Querer - não conservaria, escondida algures no seu Ser, dormente e quente como uma brasa sob cinza, uma parcela dessa energia hereditária?... Talvez! nunca porém nesse peco e encafuado viver de Santa Irenéia a fagulha despertaria, ressaltaria em chama intensa e útil. Não! pobre dele! Mesmo nos movimentos da Alma onde todo o homem realiza a liberdade pura - ele sofreria sempre a opressão da Sorte inimiga!
Com outro suspiro mais se enterrou, se escondeu sob a roupa. Não adormecia, a noite findava - já o relógio de charão, no corredor, batera cavamente as quatro horas. E então, através das pálpebras cerradas, no confuso cansaço de tantas tristezas revolvidas, Gonçalo percebeu, através da treva do quarto, destacando palidamente da treva, faces lentas que passavam...
Eram faces muito antigas, com desusadas barbas ancestrais, com cicatrizes de ferozes ferros, umas ainda flamejando como no fragor de uma batalha, outras sorrindo majestosamente como na pompa duma gala - todas dilatadas pelo uso soberbo de mandar e vencer. E Gonçalo, espreitando por sobre a borda do lençol, reconhecia nessas faces as verídicas feições de velhos Ramires, ou já assim contempladas em denegridos retratos, ou por ele assim concebidas, como concebera as de Tructesindo, em concordância com a rijeza e esplendor dos seus feitos.
Vagarosas, mais vivas, elas cresciam dentre a sombra que latejava espessa e como povoada. E agora os corpos emergiam também, robustíssimos corpos cobertos de saios de malha ferrugenta, apertados por arneses de aço lampejante, embuçados e fuscos mantos de revoltas pregas, cingidos por faustosos gibões de brocado onde cintilavam as pedrarias de colares e cintos - e armados todos, com as armas todas da História, desde a dava goda de raiz de roble eriçada de puas até o espadim de sarau enlaçarotado de seda e ouro.
Sem temor, erguido sobre o travesseiro, Gonçalo não duvidava da realidade maravilhosa! Sim! eram os seus avós Ramires, os seus formidáveis avós históricos, que, das suas tumbas dispersas corriam, se juntavam na velha casa de Santa Irenéia nove vezes secular - e formavam em torno do seu leito, do leito em que ele nascera, como a Assembléia majestosa da sua raça ressurgida. E até mesmo reconhecia alguns dos mais esforçados, que agora, com o repassar constante do Poemeto do tio Duarte e o Videirinha gemendo fielmente o seu "fado", lhe andavam sempre na imaginação...
Aquele além, com o brial branco a que a cruz vermelha enchia o peitoral, era certamente Gutierres Ramires, o d'Ultramar como quando corria da sua tenda para a escalada de Jerusalém. No outro, tão velho e formoso, que estendia o braço, ele adivinhava Egas Ramires, negando acolhida no seu puro solar a El-Rei D. Fernando e à adúltera Leonor! Esse, de crespa barba ruiva, que cantava sacudindo o pendão real de Castela, quem, senão Diogo Ramires, o Trovador ainda na alegria da radiosa manhã de Aljubarrota? Diante da incerta claridade do espelho tremiam as fofas plumas escarlates do monão de Paio Ramires, que se armava para salvar S. Luís Rei de França. Levemente balançado, como pelas ondas humildes dum mar vencido, Rui Ramires sorria às naus inglesas que ante aproa da sua Capitânia submissamente amainavam por Portugal. E, encostado ao poste do leito, Paulo Ramires, pajem do Guião de ElRei nos campos fatais de Alcácer, sem elmo, rota a couraça, inclinava para ele a sua face de donzel, com a doçura grave dum avô enternecido...
Então, por aquela ternura atenta do mais poético dos Ramires, Gonçalo sentiu que a sua Ascendência toda o amava - e da escuridão das tumbas dispersas acudira para o velar e socorrer na sua fraqueza. Com um longo gemido, arrojando a roupa, desafogou, dolorosamente contou aos seus avós ressurgidos a arrenegada Sorte que o combatia e que sobre a sua vida, sem descanso, amontoava tristeza, vergonha e perda! E eis que subitamente um ferro faiscou na treva, com um abafado brado: - "Neto, doce neto, toma a minha lança nunca partida!" E logo o punho duma clara espada lhe roçou o peito, com outra grave voz que o animava: -"Neto, doce neto, toma a espada pura que lidou em Ourique1 E depois uma acha de coriscante gume bateu no travesseiro, ofertada com altiva certeza: - "Que não derribará essa acha, que derribou as portas de Arzila?...”

1. O narrador conta que Gonçalo remoía no quarto as humilhações que passara. Qual dos fatos a seguir não faz parte das humilhações remoídas por Gonçalo?
a) A relação mal sucedida de sua irmã Gracinha com seu confidente, André Cavaleiro.
b) O aparecimento dos Ramires em seu quarto.
c) Ter que submeter-se a influência do ex-confidente ao tentar entrar na vida política.
d) Ser traído pela mulher com quem decidira casar.
2. “Em vida tão curta tanta decepção... Por quê? Pobre de mim!”. Podemos perceber nesse trecho:
a) A expressão de um sentimento de raiva.
b) A expressão de um sentimento de alívio.
c) A expressão de um sentimento de ansiedade.
d) A expressão de um sentimento de pena.
3. Qual é a qualidade hereditária dos Ramires?
a) a inteligência
b) a liderança
c) a valentia
d) a beleza
4. De acordo com o texto, o que é “a realidade maravilhosa”?
a) O sonho, a visão de Gonçalo.
b) As pretensões políticas de Gonçalo.
c) A reconciliação com seu antigo confidente.
d) D. Ana, sua presunçosa torre de ventura e luxo.
5. Ainda de acordo com o texto, os antepassados de Gonçalo ressurgiram para:
a) Cobrar-lhe uma atitude corajosa.
b) Relembrar-lhe do passado glorioso.
c) Dar-lhe força e incentivá-lo.
d) Vigiar-lhe as ações.
Gabarito

1. b , 2. d, 3. c, 4. a,  5. c
    Gonçalves Dias

I
Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
Esta noite - era a lua já morta -
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.
Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vil
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d'imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.
O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro - ossos, carnes - tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.
Era feio, medonho, tremendo,
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!
II
Por que dormes, Ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.
Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?
Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem - vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?
E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!
Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!
III
Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.
Traz embira dos cimos pendente
- Brenha espessa de vário cipó -
Dessas brenhas contêm vossas matas,
Tais e quais, mas com folhas; é só!
Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando - lá vão.
Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Esse monstro... - o que vem cá buscar?
Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!
Vem trazer-vos crueza, impiedade -
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar manitôs, maracás.
Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão-de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há-de ser!
Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há-de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.

Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! ó ruína!! ó Tupá!
1. Qual é a temática do texto?
a) A guerra entre nações indígenas.
b) O processo de colonização e a tragédia do povo Tupi.
c) Os perigos existentes nas matas.
d) As maldições em que os índios acreditam.
2. O Piaga era o intermediário entre o mundo sagrado e a tribo. Que verso comprova no poema essa função?
a) “Frio vento no rosto senti”
b) “O meu sangue gelou-se nas veias”
c) “Falam deuses nos cantos do Piaga”
d) “Liso crânio repousa ao meu lado”
3. A segunda parte do poema apresenta os sinais de desgraça que o Piaga não havia percebido. Qual dos itens a seguir não apresenta um desses sinais?
a) um negrume no céu
b) a coruja piar durante o dia
c) a cobra enroscada no chão
d) a lua nascer vermelha
4. Por que o Piaga tinha dificuldades para perceber os sinais de desgraça?
a) Anhangá o impedia de percebê-los.
b) O Piaga estava assustado com o fantasma.
c) Ele foi enfeitiçado por uma cobra.
d) Uma fumaça impedia sua visão.
5. A que se refere à metáfora do verso “basta selva, sem folhas, i vem”?
a) ao lugar onde os índios viviam
b) aos navios portugueses
c) ao lugar de onde vinham os portugueses
d) a Taba sagrada
6. A visão do processo de colonização transmitida pelo poema é
a) um processo de progresso, pouco compreendido pelos nativos.
b) um processo de colonização esperado e harmônico.
c) um processo de colonização necessário e justo de construção de uma civilização.
d) um processo de opressão dos índios e de destruição de sua civilização.
7. O poema lido faz parte da primeira geração da poesia romântica, a chamada geração nacionalista ou indianista. A partir da leitura do poema qual seriam então os propósitos dessa geração?
a) Ressaltar a força e a cultura indígena.
b) A investigação histórica das nossas origens culturais e o repúdio à cultura portuguesa.
c) A valorização da cultura indígena, colocando como superior à cultura portuguesa.
d) A denúncia das injustiças sociais que já existiam antes da chegada dos portugueses.
8. De acordo com o significado das palavras destacadas nos versos, assinale a sequência correta.
(I) “Anhangá me vedava sonhar”
(II) “Manitôs! Que prodígios que vi”
(III) “E não podes augúrios cantar”
(IV) “Profanar manitôs, maracás”
(V) “Vossos Deuses, ó Piaga, conjura
a) impedia, acontecimentos, presságios, desrespeitar, invoca.
b) ordenava, guerreiros, canções, conhecer, reza.
c) proibia, estranhos, notícias, utilizar, procura.
d) levava, inteligências, mensagens, tocar, promete.
Gabarito:
1.b, 2. c, 3. c, 4. a, 5. b, 6. d, 7. b, 8. a