quinta-feira, 27 de outubro de 2016

 

As três folhas da serpente 

Um conto de fadas dos Irmãos Grimm 

Houve uma vez um pobre homem que não podia mais sustentar seu filho único. Este,
então, disse ao pai:
- Meu querido pai, vives tão miseravelmente e eu sou um peso para ti; quero, portanto, ir-me embora e tratar de ganhar o pão de cada dia.
O pai deu-lhe a benção, despedindo-se dele com grande tristeza.
Naquele tempo, o rei de importante reino estava na guerra; o jovem entrou ao seu serviço, acompanhando-o ao campo de luta. Quando chegaram à frente do inimigo, travou-se uma grande batalha; o perigo era assustador; o feijão azul (balas) caía de todos os lados e os companheiros eram terrivelmente dizimados. Tendo caído também o comandante, os outros tentaram fugir, mas o jovem postou-se à frente deles e incentivou-os, exclamando:
- Não deixaremos perecer nossa Pátria! Avante!
Os outros, então, seguiram-no; ele irrompeu contra o inimigo e derrotou-o. Quando o rei veio a saber que só a ele devia a vitória, elevou-o a grande dignidade, deu-lhe tesouros ingentes e nomeou-o primeiro-ministro de seu reino.
O rei tinha uma filha belíssima, mas muito esquisita. Ela havia jurado que só aceitaria por esposo e senhor quem lhe prometesse deixar-se enterrar vivo com ela, se acaso ela morresse primeiro.
- Se me amar realmente, - dizia ela - de que lhe servirá depois a vida?
Em compensação, prometia fazer o mesmo: Descer à sepultura junto com o marido se
ele morresse primeiro. Esse estranho juramento havia sempre desencorajado todos os pretendentes, mas o jovem, tão fascinado ficou com a beleza dela, que não deu
importância a tal esquisitice e pediu-a assim mesmo em casamento.
- Sabes, porém, o que deves prometer? - perguntou-lhe o rei.
- Sei, - respondeu o jovem - se eu lhe sobreviver, terei de descer com ela à sepultura; mas o meu amor é tão grande que o risco não me causa receio algum.
Assim, obtido o consentimento do rei, realizaram-se as núpcias com o máximo
esplendor. Durante algum tempo, viveram os jovens alegres e felizes. Entretanto, aconteceu que a rainha ficou gravemente enferma e nenhum médico conseguiu salvá-la.
Diante da falecida esposa, o jovem rei lembrou-se da promessa feita e ficou horrorizado por ter que se enterrar vivo, mas não tinha outra alternativa. O rei dera ordens para que todas as portas fossem vigiadas; assim não lhe era possível fugir ao próprio destino. Portanto, no dia em que o cadáver foi trasladado para a cripta real, o jovem foi obrigado a segui-lo. Uma vez lá dentro, fecharam e aferrolharam-lhe a porta.
Perto do ataúde havia uma mesa e, em cima dela, quatro velas acesas, quatro pães e quatro garrafas de vinho. Quando terminasse essa provisão, ele teria de morrer à míngua. Cheio de angústia e tremendamente acabrunhado, o jovem comia, diariamente, apenas um pedacinho do pão e, do vinho, tomava um golinho apenas. Via, contudo, a morte aproximar-se inevitavelmente. Enquanto se achava assim absorto, olhando para a frente, viu uma serpente sair rastejando do canto da cripta e avizinhar-se do cadáver. Julgando que fosse mordê-la, desembainhou a espada dizendo:
- Enquanto eu viver, ninguém lhe tocará - e cortou o réptil em três pedaços.
Nisso, apareceu uma segunda serpente, que vinha rastejando do canto da cripta mas, quando viu a companheira morta e em pedaços, retirou-se voltando logo com três folhas verdes na boca. Pegou os três pedaços da serpente morta, juntou-os direito e sobre cada um dos talhos colocou uma folha. Os pedaços uniram-se novamente, a serpente moveu-se e readquiriu a vida e, em seguida, fugiu com a companheira.
As folhas ficaram caídas no chão e o infeliz, que assistira àquilo tudo, perguntou a si próprio se o poder mágico que continham, tendo ressuscitado a serpente, não poderia aplicar-se também a um ser humano? Recolheu então as folhas, colocou uma sobre a boca e as outras duas sobre os olhos da esposa falecida. Mal acabou de colocá-las, o sangue voltou a circular nas veias, afluindo-lhe ao rosto, dando-lhe natural colorido. Ela respirou, abriu os olhos e perguntou:
- Oh, Deus meu, onde estou?
- Estás comigo, minha querida mulher - respondeu o jovem.
Em seguida, contou-lhe todo o sucedido e a maneira pela qual havia ressuscitado. Depois, deu-lhe um pedaço de pão e um pouco de vinho; assim que ela se reanimou, levantou-se e ambos foram bater à porta, esmurrando-a e gritando tão alto que os guardas ouviram e correram a avisar o rei. Este, em pessoa, desceu à cripta e abriu a porta, encontrando os dois vivos, sadios e viçosos como nunca; radiantes de alegria, abraçaram-se felizes por terem superado aqueles tormentos.
O jovem rei levou consigo as três folhas e deu-as ao seu criado dizendo:
- Guarda-as com cuidado e traze-as sempre contigo; quem sabe lá as circunstâncias que podem vir e se elas ainda servirão a alguém!
Depois de ressuscitada, porém, a mulher mudara completamente; parecia que de seu coração se tivesse desvanescido todo o amor pelo marido. Este, decorrido algum tempo, quis fazer uma visita ao velho pai; ao embarcarem no navio que os levaria, a rainha esqueceu o grande amor e a dedicação que ele sempre lhe demonstrara, a ponto de tê-la salvo da morte e passou a nutrir uma paixão pecaminosa pelo comandante do navio.
Certo dia, enquanto o rei estava dormindo, chamou o comandante e mandou que pegasse o marido pelos pés, enquanto ela segurava-o pela cabeça e atiraram-no ao mar. Consumado o crime, disse ela:
- Agora voltaremos para casa. Diremos que ele morreu durante a viagem. Eu te exaltarei perante meu pai e tais elogios farei que ele consentirá em nosso casamento. Assim ficarás sendo tu o herdeiro da coroa.
Mas o fiel criado, que tudo presenciara, foi, sem ser visto, destacar um bote salva- vidas e desceu ao mar. Entrou nele e foi vagando à procura de seu amo, deixando os traidores prosseguirem tranqüilamente a viagem. Assim que conseguiu pescar o cadáver, colocou-lhe nos olhos e na boca as três folhas verdes que trazia consigo, as quais lhe restituíram a vida.
Juntos, então, puseram-se a remar dia e noite, com todas as forças e o bote voava por sobre as ondas com tamanha velocidade, que chegaram antes dos outros à presença do rei. Este, vendo-os regressar sozinhos, muito se admirou e perguntou qual o motivo. Ao ter conhecimento da crueldade da filha, exclamou:
- Custa-me crer que tenha agido assim cruelmente, porém, a verdade logo virá à luz.
Mandou que entrassem num quarto secreto e ficassem ocultos de todos. Não tardou muito e chegou o navio. A pérfida rainha apresentou-se ao pai muito aflita. Ele perguntou-lhe então:
- Por que voltas sozinha? Onde está teu marido?
- Ah, meu querido pai - respondeu ela - volto em grande luto; meu marido adoeceu repentinamente durante a viagem e faleceu. Se este bom comandante não me socorresse, não sei o que teria sido de mim. Ele assistiu-lhe a morte e pode contar tudo.
- Eu vou fazer ressuscitar o morto - disse o rei.
Abriu a porta do quarto secreto e fez sair os dois. Ao ver o marido, a rainha recebeu um choque tão grande como se lhe tivesse caído um raio aos pés. Prostrou-se de joelhos implorando perdão, mas o rei gritou-lhe:
- Para ti não pode haver perdão! Ele mostrou-se pronto a morrer contigo; restituiu-te
a vida e tu o assassinaste enquanto dormia. Deves, pois, receber o justo castigo.
Conduziram-na, juntamente com o cúmplice, para um navio que fazia água e os
lançaram ao mar, onde, não tardou muito, foram a pique e se afogaram.

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