GAETANINHO
Alcântara Machado
- Xi, Gaetaninho, como é bom!
Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O
Ford quase o derrubou e ele não viu o Ford. O carroceiro disse um palavrão e
ele não ouviu o palavrão.
– Eh! Gaetaninho Vem
pra dentro.
Grito materno sim :
até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o
chinelo.
– Subito!
Foi-se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo
beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o
corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar à direita. Mas deu meia
volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.
Eta salame de mestre!
Ali na Rua Oriente
a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de
enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era
de realização muito difícil. Um sonho.
O Beppino por exemplo. O Beppino naquela tarde
atravessara de carro a cidade. Mas como? Atrás da Tia Peronetta que se mudava
para o Araçá. Assim também não era vantagem.
Mas se era o único meio? Paciência.
Gaetaninho enfiou a
cabeça embaixo do travesseiro.
Que beleza , rapaz! Na frente quatro cavalos pretos
empenachados levavam a Tia Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o
Savério noivo dela de lenço nos olhos. Depois ele. Na boléia do carro. Ao lado
do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro branco onde se lia: ENCOURAÇADO
SÃO PAULO.
Não.
Ficava mais bonito de roupa marinheira mas com a palhetinha nova que o irmão
lhe trouxera da fábrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza, rapaz!
Dentro do carro o pai, os dois irmãos mais velhos (um de gravata vermelha,
outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita gente nas calçadas,
nas portas e nas janelas dos palacetes, vendo o enterro. Sobretudo admirando o
Gaetaninho.
Mas Gaetaninho ainda não estava satisfeito. Queira
ir carregando o chicote. O desgraçado do cocheiro não queria deixar. Nem por um
instantinho só.
Gaetaninho ia berrar mas a Tia Filomena com mania
de cantar o “Ahi, Mari!” todas as manhãs o acordou.
Primeiro ficou desapontado. Depois quase chorou de
ódio.
Tia Filomena teve um ataque de nervos quando soube
do sonho de Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da
família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa
numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou, e escolheu o acendedor da
Companhia de Gás, seu Rubinho, que uma vez lhe deu um cocre danado de doído.
Os irmãos (esses) quando souberam da história
resolveram arriscar de sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles
ficaram loucos de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de
dar a vaca mesmo.
O jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito
embora Gaetaninho não estava ligando.
– Você conhecia o pai do Afonso, Beppino?
– Meu pai deu uma
vez na cara dele.
– Então você não vai
amanhã no enterro. Eu vou!
O Vicente protestou
indignado:
– Assim não jogo
mais ! O Gaetaninho está atrapalhando!
Gaetaninho voltou
para o seu posto de guardião. Tão cheio de responsabilidades.
O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou
bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as
mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
– Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com
todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.
– Vá dar tiro no inferno!
– Cala a boca, palestrino!
– Traga a bola!
Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola
um bonde o pegou. Pegou e matou.
No bonde vinha o pai de Gaetaninho.
Agurizada assustada espalhou a notícia na noite.
– Sabe o Gaetaninho?
– Que é que tem?
– Amassou o bonde!
A vizinhança limpou com benzina suas roupas
domingueiras.
Às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro
da Rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boleia de nenhum dos carros do
acompanhamento. Lá no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres
por cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a
palhetinha.
Quem na boleia de um dos carros do cortejo mirim
exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino.
ESTUDO DO TEXTO
01. Qual era o sonho de
Gaetaninho?
02. Segundo o texto, por
que o sonho de Gaetaninho era de difícil realização?
03. Apesar de Beppino ter
atravessado de carro a cidade, por que não era vantagem, segundo o texto?
04. Por que Gaetaninho
ficou tão desapontado ao ser acordado pelo canto da Tia Filomena?
05. Por que Tia Filomena
teve um ataque de nervos quando soube do sonho de Gaetaninho?
06. Qual a atitude de
Gaetaninho diante da reação da tia?
07. Qual seria a provável
razão para Gaetaninho escolher seu Rubinho para o lugar da tia no sonho?
08. Como a família reagiu
diante do sonho de Gaetaninho?
09. Por que Vicente acusa
Gaetaninho de estar atrapalhando o jogo?
10. O que aconteceu com
Gaetaninho ao voltar para o jogo?
11. Qual a condição
socioeconômica de Gaetaninho? Comprove com elementos do texto ou trechos.
12. Qual é o foco narrativo
do conto e qual o tipo de narrador?
GABARITO
01. Andar de automóvel.
02. Porque a ralé quando muito andava de bonde e automóvel ou carro só
mesmo em dia de enterro ou casamento.
03. Porque ele tinha ido atrás da Tia Peronetta acompanhando seu
enterro até o cemitério do Araçá.
04. Porque ele estava sonhando com que estava andando de automóvel
sendo admirado pelas pessoas que estavam nas calçadas.
05. Porque no sonho Gaetaninho andava de automóvel acompanhando o
enterro dela, o que poderia ser um mau agouro.
06. Gaetaninho passa a contar o sonho numa nova versão escolhendo o
acendedor da Companhia de gás, seu Rubinho, para ser o defunto do sonho.
07. Porque seu Rubinho uma vez lhe deu um cocre danado de doído.
08. A família ficou alarmada e os irmãos aproveitaram para apostar no
bicho.
09. Porque ele estava conversando com Beppino sobre o enterro do pai
do Afonso.
10. Foi atropelado pelo bonde quando correu para pegar a bola de meia arremessada
que foi parar no meio da rua.
11. Gaetaninho fazia parte da classe baixa, operária. “Ali na Rua
Oriente a ralé quando muito andava de bonde.” O personagem jogava futebol com
bola de meia, o irmão trabalhava numa fábrica, os irmãos jogavam no bicho e as
flores que cobriam o caixão de Gaetaninho eram pobres.
12. O foco narrativo é em terceira pessoa e o tipo de narrador é observador onisciente pois conhece os pensamentos e intenções íntimas dos personagens.
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