sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

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/ \ Curta Rosas com carinho.
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BRASIL-MENINO
I
Meu pai era um gigante, domador de léguas.
Quando um dia partiu, a cavalo
no seu dragão de pêlo azul que era o Tietê
[dos bandeirantes.
lembro-me muito bem de que me disse: olhe,
[meu filho,
eu vou sururucar por esta porta e um dia voltarei
[trazendo umas duzentas léguas de caminho
[e umas dezenas de onças arrastadas pelo
[rabo a pingar sangue do focinho!
E dito e feito! lá se foi dando empurrões no mato dos
[barrancos
por entre alas de jacarés e de pássaros brancos.
Quando veio o Natal meu pai estava longe,
em luta com os bichos peludos, com os gatos grandões
[de cabeça listada e com as mulas-de-sete-cabeças
[que moram no fundo das árvores espessas.
No planalto batia um sino perguntando: ele não vem?
[ele não vem?
Um outro sino de voz grossa respondia: não ... e
[não, dizendo "nãão" e repetindo "nãão" e não.
II
E eu me lembrei de procurar um par de botas
das que meu pai usava e pôr o par de botas
atrás da porta do sertão que resmungava entocaiado
[no arvoredo.
Como fazia frio aquela noite!
Fiquei com tanto medo... Um gato corrumiau
passeava pelos vãos da telha-vã...
Mas chegou a manhã, linda como um tesouro!
e eu fui achar, com o coração aos pulos de alegria,
as duas botas de couro
abarrotadas de ouro!
III
Passou mais um ano e meu pai não voltou.
Botei meus sapatões atrás da porta novamente
e no outro dia
fui encontrar meus sapatões abarrotados de
[esmeraldas!
Minha vovó, uma velhinha portuguesa com cabelo de
[garoa e xale azul-xadrez me garantia:
- "Foi o papá Noel quem trouxe." Até que um dia
fiz que não vi mas vi; acordei da ilusão.
Meu pai era um Gigante, caçador de léguas,
um feroz domador de onças pretas,
terror do mato, assombração das borboletas
mas tinha um grande coração.
Por fim cresci. Hoje sou gente grande.
Sou comissário de café. Tenho viadutos encantados.
Minha cidade é esse tumulto colorido que aí passa
levando as fábricas pelas rédeas pretas de fumaça!
Barulho fantástico
de um mundo que saiu da oficina.
Grito metálico de cidade americana.
Vida rodando fremindo batendo martelos
com músculos de aço.
E o Tietê conta a história dos velhos Gigantes
que andaram medindo as fronteiras da pátria,
ao tempo em que S. Paulo colocava os sapatões atrás da porta
e os sapatões amanheciam cheios de ouro...
E os sapatões amanheciam cheios de esmeraldas...
E os sapatões amanheciam cheios de diamantes...
(Martim Cererê, 1928.)
 

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