POEMA IMPLÍCITO
O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.
Não gosto dos explícitos
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.
Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.
(A face perdida, 1950.)
O CACTO
This is cactus land.
Here the stone images
and raised...
T. S. ELIOT
Vamos, todos, brincar de cacto
na areia da nossa tristeza.
Uma folha sobre outra,
Em caminho do céu intacto.
Uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma folha sobre outra,
formaremos um grande cacto.
De cada braço, já no espaço,
nascerá mais um braço, e deste
outros braços, qual ramalhete
de flores para um só abraço.
Filhos da pedra e do pó,
fique aqui embaixo o nosso orgulho,
pisado sobre o pedregulho.
Formaremos, num corpo só
(uma folha sobre outra
uma folha sobre outra,
um braço a nascer de outro braço),
a nossa escada de Jacó.
Pra que torre de Babel
ou o Empire State, compacto,
se, uns nos ombros dos outros,
chegaremos ao céu, num cacto?
Uma folha sobre outra
e já uma árvore de feridas
por entre os anjos de azulejo
e as borboletas repetidas.
Que fique aqui embaixo a terra;
lá de cima nós tiraremos
uma grande fotografia
do seu rosto de ouro e prata.
Para provar a Deus que a terra,
numa fotografia exata,
não é redonda, mas chata;
não é redonda, mas chata.
Pra provar, por B mais H,
que o homem, animal suicida,
já sabe fabricar estrelas...
Se é que Deus disto duvida.
Que iríamos fabricar luas
(se não fora, para Seu gáudio,
o espião nos ter furtado a fórmula)
mais bonita do que as Suas.
Vamos, todos, brincar de cacto,
uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma folha sobre outra.
Vamos subir, de folha em folha,
mais alto do que vai o avião.
Lá onde os anjos jogam pedras
no cão da constelação.
Que outros usem avião a jacto
pra uma viagem em linha reta:
nós, filhos da planície abjeta,
subiremos ao céu num cacto.
Uns nos ombros dos outros,
injustiças sobre injustiças,
formaremos um verde pacto...
Vamos, todos, brincar de cacto.
Vamos, todos, brincar de cacto.
(João Torto e a fábula, 1954
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