RISO E LÁGRIMA
Há uma lágrima, sempre atenta, em nossos olhos.
LUÍS EDMUNDO
Morre na alma um sorriso e a lágrima, sentida,
surge, treme, de leve, e traz à vossa face
o signo natural da tristeza que nasce
e não pode viver tão secreta, escondida.
Muitas vezes, porém, nas horas em que a vida
alegre se vos faz, como se se ocultasse
viverá - quem o sabe? - inútil, esquecida.
E assim, quando esqueceis a vossa desventura
a tristeza se esvai e a lágrima procura
ocultar-se, qual flor que nasceu entre abrolhos.
No entanto, para mim, há destas variedades:
passo a vida a cantar para matar saudades,
vivo sempre a sorrir com lágrimas nos olhos...
(Dentro da noite, 1915.)
MANHÃ DE CAÇA
Mal entrava eu no mato
era um delírio. Os papagaios
se reuniam em bando, protestando.
Como em verde comício.
Por que tanto barulho? eu indagava
de mim mesmo, da minha malvadez.
Como se não soubesse
que era justo o protesto
dos papagaios ásperos, verde-gaios.
Araras, canindés, maitacas
mais ensurdecedoras que matracas,
reunidas em bando,
também gritavam, me acusando.
Mas por que tanto horror? por que, de súbito,
tanto medo insensato?
Como se eu não soubesse,
com absoluta certeza, que era o mato
contra a minha maueza.
Maracanãs, tiribas, periquitos,
que eram asas aos gritos,
papagaios, enfim, de vários nomes
e de vária plumagem,
que eram os donos do país selvagem
e confuso,
lavravam seu protesto contra o intruso,
gritando, gritando.
Um morro de cabelo verde pixaim
começava a pensar.
Se encolhia a pensar numa coisa sem fim.
Por que pensar assim?
Como se eu não soubesse dos motivos
de tanta guerra, de tanta algazarra.
Conferenciavam, graves, os tucanos.
Saltavam rãs e gafanhotos,
junto a meus pés, a meus sapatos rotos.
O caapora acendia o fogo do cachimbo.
A mãe-d'água - se é que a mãe-d'água existe -
saltava como louca, a face oculta
em seu cabelo verde - se é verdade
que o seu cabelo é verde.
Como se eu não soubesse que no mato
tudo é cabelo verde, é susto, é graça,
é surpresa, é protesto
(quando não é a solidão selvagem).
Mas por que tanta atoarda?
E eu apontava o cano da espingarda
e bumba! um papagaio verde-gaio
caía ao solo e os outros, com assombro,
se reuniam em bando, gritando.
Uma chuva de garras e de bicos
despencava do céu sobre o meu ombro.
Os ecos proferiam, pelas grotas,
outros protestos, como se a distância
também caísse ao chão, de bruços,
com a boca cheia de soluços!
Mas pra quê tanto medo?
E - último eco - uma voz, enroscada
num cipoal em flor, numa barba-de-bode,
ficava protestando:
não pode!
não pode!
(Vamos caçar papagaios, 1926
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