03 – O PARADOXO DA
MISÉRIA
O Brasil é o
mais rico entre os países com maior número de pessoas miseráveis. Isso torna
inexplicável a pobreza extrema de 23 milhões de brasileiros, mas mostra que o
problema pode ser atacado com sucesso.
Segundo um estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, os miseráveis representavam, 25 anos atrás,
alguma coisa em torno de 17% da população. O índice mais recente divulgado pelo
mesmo instituto informa que a taxa de miséria está em 14,5%. Trata-se de uma
queda muito pequena diante do amadurecimento social, econômico e político
registrado no período. Queda proporcional, diga-se, pois em números absolutos o
número de desamparados, incapazes de sair de sua situação sem ajuda, aumentou.
Eram cerca de 23 milhões hoje.
Miséria é palavra de significado
impreciso, como de resto a maior parte dos termos que se referem à camada menos
favorecida da sociedade. O que exatamente quer dizer “pobreza” ou “indigência”?
Como identificar um pobre? Como ter certeza de que existem 14,5% de miseráveis,
e não 10% ou 20%? Não haveria subjetividade demais nessas estatísticas? Em
geral, cada um percebe a miséria por sua experiência pessoal, como definiu a
americana Mollie Orshansky, uma das maiores especialistas no assunto: “A
pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos de quem a vê”. Para efeito
estatístico, no entanto, os estudiosos chegaram a uma definição quase
matemática sobre o que são miséria e pobreza. Conseguiram estabelecer duas
grandes linhas. Uma delas é a linha de pobreza, abaixo da qual estão as pessoas
cuja renda não é suficiente para cobrir os custos mínimos de manutenção da vida
humana: alimentação, moradia, transporte e vestuário. Isso num cenário em que
educação e saúde são fornecidas de graça pelo governo. Outra é a linha de
miséria (ou de indigência), que determina quem não consegue ganhar o bastante
para garantir aquela que é a mais básica das necessidades: a alimentação. No
caso brasileiro, há 53 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Destas,
30 milhões vivem entre a linha de pobreza e acima da linha de miséria. Cerca de
23 milhões estariam na situação que se define como indigência ou miséria.
Reforçando, para evitar confusão: a
pobreza no Brasil é formada por dois grandes grupos. Há 30 milhões de pessoas
vivendo com extrema dificuldade, donas de uma renda mensal per capita inferior
a 80 reais. E há mais 23 milhões que vivem ainda em pior situação, sobrevivendo
de maneira primitiva. Não ganham dinheiro bastante para comprar todos os dias
alimentos em quantidade mínima necessária à manutenção saudável de uma vida
produtiva – ou seja, algo em torno de 2000 calorias. [...] Esse é o chamado
flagelo social. [...]
[...]
[...] Segunda o último estudo disponível
sobre o assunto, realizado pelos técnicos da Organização das Nações Unidas,
existem 830 milhões de miseráveis no planeta. [...]
Com seus 23 milhões de miseráveis, o
Brasil representa 3% do problema mundial. Pode parecer pouco. [...] Um mergulho
qualitativo sobre a questão dá a devida coloração à situação brasileira. Para
isso, tome-se o ranking dos países com renda per capita semelhante à
brasileira. São eles México, Bulgária, Chile e Costa Rica. Sabe qual tem taxa
de pobreza equivalente à brasileira? Nenhum. O pior deles, a Costa Rica, tem
proporcionalmente pouco mais da metade do número de pobres do Brasil. As
comparações internacionais trabalham com a certeza de que todos os países
revelam dados confiáveis. Pode-se olhar a questão sob outro prisma, mas nem por
isso o quadro fica menos dramático.
Observe-se o ranking dos países
segundo o porcentual da população vivendo abaixo da linha de pobreza. Onde está
o Brasil? Está ao lado de Botsuana, República Dominicana, Mauritânia e Guiné.
Ocorre que, entre nossos “colegas de fome”, digamos assim, a renda per capita
varia entre 15% e metade da renda brasileira. Ou seja, não importa de que
ângulo se olhe, o Brasil é hoje o país mais rico do mundo com a maior taxa de
pobreza. A isso se chama injustiça social.
[...]
[...] O Brasil aparece todos os anos
nas listagens internacionais como um dos países com maior concentração de renda
do planeta. Significa dizer que, apesar de não se tratar de uma nação pobre,
perpetua-se um fosso gigantesco entre a base e o topo da pirâmide. No país mais
rico do mundo, os Estados Unidos, a diferença de renda média entre os 20% mais
pobre e os 20% mais ricos é de oito vezes. Na Alemanha, ela é de seis vezes.
Nas nações do Terceiro Mundo, a conta é mais desigual, mas nada se compara ao
Brasil. No Chile, a diferença é de dezoito vezes e na Guatemala, de trinta.
Pois bem: em solo pátrio, essa diferença é de 33 vezes. Numericamente, isso
pode ser traduzido de outras formas: 1% da população, a parcela mais rica,
detém a mesma quantidade de recursos que os 50% mais pobres. Outro modo de ver
esse problema é tomando como base os 10% mais ricos. Juntos, eles concentram
metade da renda nacional.
Veja, n 3,23 jan. 2002,
p. 82-93.
1 – Analise as observações que o
jornalista faz sobre o índice miseráveis no Brasil, na parte inicial do texto.
a)
O
jornalista informa que o índice de miseráveis no Brasil era de aproximadamente
17% “25 anos atrás”; atrás de que ano?
Atrás de 2002, ano de publicação da reportagem. O
objetivo é levar o aluno a buscar o significado de referências contextuais.
b)
Segundo
o jornalista, a queda de 17% para 14,5% no índice de miseráveis no Brasil, no
período de 25 anos, foi “muito pequena”: pequena em relação a quê?
Pequena em relação ao desenvolvimento social,
econômico e político no mesmo período.
2 – O jornalista discute o
significado da palavra miséria.
a)
Miséria
é “palavra de significado impreciso”; explique por quê.
Porque não tem um significado único, exato, certo.
b)
Explique
a frase: “A pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos de quem a vê”.
O significado de pobreza e de beleza varia de
pessoa para pessoa; cada pessoa tem um conceito próprio de pobreza e de beleza;
o que é pobreza ou beleza para uma pessoa pode não ser para outra.
3 – Referindo-se às estatísticas
sobre número e porcentagem de miseráveis no Brasil, o jornalismo pergunta:
“Não haveria subjetividade demais
nessas estatísticas?”
a)
Que
subjetividade poderia haver nas estatísticas?
Estarem fundamentadas num conceito pessoal,
subjetivo de miséria, de pobreza; apresentarem números dependentes de uma
definição pessoal, subjetiva de pessoas pobres ou miseráveis.
b)
De
que forma é evitada a subjetividade nas estatísticas sobre a miséria e a
pobreza?
Estabelecendo uma definição quase matemática de
miséria e pobreza.
4 – As estatísticas estabelecem uma
diferença entre miséria e pobreza; qual
é a diferença?
Pobreza é a situação de pessoas que não
tem renda suficiente para garantir as necessidades básicas de alimentação,
moradia, transporte e vestuário; miséria é a situação de quem não tem condições
de garantir nem mesmo a alimentação.
5 – O número de miseráveis no Brasil
representa 3% do número de miseráveis que há no mundo; segundo o jornalista,
isso pode parecer pouco em quantidade, mas, em qualidade, não é pouco.
Identifique e escreva, em seu
caderno, as frases que, entre as seguintes, expressam as justificativas em que
o jornalista fundamenta essa afirmação:
- Ter 3% dos miseráveis do mundo
significa ter 23 milhões de miseráveis, o que não pode ser considerado pouco.
- Em países em que a renda
per capita é semelhante à brasileira, o número de pobres é menor.
- há países em que a taxa
de pobreza é semelhante à brasileira, embora a renda per capita seja menor.
- O fato de haver um número muito
grande de miseráveis no mundo não diminui a gravidade do problema brasileiro.
04 – GERAÇÃO TIPO ASSIM
Imagens comparativas e novas gírias
reacendem a discussão sobre a erosão da linguagem entre os jovens.
Ao adolescente dos anos 90 que não
consegue entender o que se conversa numa roda de contemporâneos, resta o
consolo de não pertencer aos grupos acusados de promoverem a chamada erosão da
linguagem. Para esses grupos, segundo estudiosos como o poeta, tradutor e
ensaísta José Paulo Paes, tem sido cada vez mais cômodo seguir o caminho das
imagens comparativas, evitando expor o próprio potencial intelectual ao risco
de um raciocínio elaborado. Não é à toa que um dos recursos mais usados hoje
para facilitar a explicação de uma ideia é o “tipo assim” (“Ele é um cara tipo
assim...”). [...]
Enquanto a discussão volta a mobilizar
estudiosos, novas gírias são criadas e absorvidas numa velocidade impressionante.
[...] “A conversa de adolescentes é feita de diálogos exclamativos e sem
fluência, próprios de quem apenas reafirma um comportamento de grupo”, alerta
Paes. O poeta reconhece, no entanto, que “existem gírias muito saborosas”. Mas
restringe: “Gíria é coisa de moda. Muitas vezes você substitui uma boa intensão
verbal de gírias anteriores sem que haja ganhos expressivos.”
Em outra vertente, o escritor Affonso
Romano de Sant´Anna acha normal que cada grupo social crie sua própria
linguagem. “E os jovens que passaram a existir socialmente a partir dos anos
60, coma emergência do poder juvenil, também tem a sua linguagem”, diz. “Esse é
um fato que não recrimino nem reprovo, mas sua constatação é inevitável.” O
escritor vê a leitura como única solução para as divergências entre as
linguagem usadas por jovens e adultos. “É lendo que você aumenta seu
vocabulário”, sugere.
Affonso Romano observa que hoje os
jovens não são a única tribo a usar uma linguagem própria, de difícil
entendimento por quem está de fora: “O mesmo acontece, por exemplo, com o
pessoal que mexe com computador. Sua linguagem é restrita, falava em códigos.”
[...]
Os adolescentes não vêem problema no
uso de gírias e expressões recém-criadas, e julgam seu vocabulário “inofensivo”.
“As gírias são um meio muito legal de se comunicar e simplificar as coisas.
Além disso, é irado falar de um jeito que os professores e o pessoal lá de casa
não entendam”, diz Thiago, 16 anos.
“A moda não muda? A de coração não
muda? Qual é o problema de atualizar também o vocabulário?”, questiona Tatiana,
17 anos. Sua colega Maíra, 16 anos, tenta explicar o uso frequente de
expressões, como o tipo assim: “Você quer falar alguma coisa e descobre uma
expressão que consegue resumir seu pensamento. O tipo assim é o espaço que a
gente usa para pensar e articular as palavras. É impossível contar uma história
sem usar pelo menos um aí”.
“As gírias mudam e não vão deixar de
existir. A gente não fala mais é uma brasa, mora? Que era moda nos anos 70. No
lugar disso, falamos outras coisas”, justifica o estudante Marcos, 17 anos. “O
mais legal disso tudo é que ampliamos o nosso vocabulário”, opina Thiago,
afirmando em seguida: “Eu também sei falar formalmente, mas não gosto. Não me
dirijo ao padre do colégio com um, aí velhinho. Estou apto a usar a linguagem
formal, quando necessário.”
A babel de gírias também afeta os
diferentes grupos da mesma geração. “Tenho amigos que convivem com o pessoal
que frequenta bailes funk. Eles usam gírias próprias e eu não entendo nada”,
conta Tatiana. “Não vejo problema nenhum no fato das tribos não se entenderem.
A gente traduz e aprende cada vez mais”, assegura Gabriel, 17 anos.
Jornal do Brasil, Caderno B, 5 maio 199, p. 7.
(O sobrenome dos adolescentes citados
e o nome do colégio em que estudam foram omitidos.)
1 – Identifique a data em que a
reportagem foi publicada, observe as palavras com que ela começa e responda:
a)
A
reportagem se refere a adolescentes de que época?
Dos anos 90 do século XX.
b)
Quanto
tempo separa os adolescentes de que época?
A resposta depende da época em que a questão
estiver sendo respondida; provavelmente, de 10 a 15 anos.
c)
Os
adolescentes atuais também tem um modo próprio de usar a língua, como os
adolescentes da reportagem? Tem opiniões semelhantes às dos adolescentes
citados na reportagem?
Resposta pessoal; o mais provável é que a resposta
seja sim, já que adolescentes de qualquer época usam gírias e defendem esse uso.
2 – Releia a primeira frase da
reportagem: ela se refere a um adolescente par quem resta um consolo.
a)
Se
resta um consolo, significa que esse adolescente tem um problema de que precisa
ser consolado; qual é o problema?
Não consegue entender a conversa de outros
adolescentes como ele.
b)
Que
consolo resta ao adolescente? Por que isso é um consolo?
O consolo de não pertencer aos grupos acusados de
promoverem a erosão da linguagem. É um consolo porque esses grupos são
criticados, censurados, depreciados.
3 – As opiniões de José Paulo Paes
citadas na reportagem coincidem com as que ele dá na entrevista reproduzida
reproduzida nas páginas 169-170? Comprove sua resposta comparando palavras do
escritor na reportagem e na entrevista.
O objetivo é que o aluno identifique os
mesmos pensamentos expressos de formas diferente.
4 – Observe a expressão que introduz
o terceiro parágrafo:
“Em outra vertente...”
a)
Que
relação essa expressão estabelece entre o que se vai dizer em seguida e o que
se disse antes?
Relação de oposição, de contraste, de divergência.
b)
Cite
outras expressões que poderiam ser usadas para introduzir o terceiro parágrafo.
Resposta pessoal; exemplos: Ao contrário, ...Em
oposição, ...Assumindo outra posição, ...Diferentemente,
5 – Confronte as palavras de Affonso
Romano de Sant´Anna com as de José Paulo Paes:
a)
Os
dois escritores tem opiniões diferentes em relação à linguagem dos jovens: qual
é a diferença?
José Paulo Paes recrimina, censura a linguagem dos
jovens; Affonso Romano acha normal que os jovens tenham sua própria linguagem.
b)
Com
qual dos dois escritores você concorda? Ou não concorda com nenhum dos dois?
Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
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