Estou me vendo debaixo de uma árvore,
lendo a pequena história da literatura brasileira. [...]
Olavo Bilac! – eu disse em voz alta e
de repente parei quase num susto depois que li os primeiros versos do soneto à
língua portuguesa: última flor do Lácio, inculta e bela / És, a um tempo,
esplendor e sepultura.
Fiquei pensando, mas o poeta disse
sepultura?! O tal de Lácio que não sabia onde ficava mas de sepultura eu
entendia bem, disso eu entendia, repensei baixando o olhar para a terra. Se
escrevia (e já escrevia) pequenos contos nessa língua, quer dizer que era a
sepultura que esperava por esses meus escritos?
Fui falar com meu pai. Comecei por
aquelas minhas sondagens antes de chegar até onde queria, os tais rodeios que
ele ia ouvindo com paciência enquanto enrolava o cigarro de palha, fumava nessa
época esses cigarros. Comecei por perguntar se minha mãe e ele não tinham
viajado para o exterior.
Meu pai fixou em mim o olhar verde.
Viagens, só pelo Brasil, meus avós é que tinham feito aquelas longas viagens de
navio, Portugal, França, Itália... não esquecer que a minha avó, Pedrina
Perucchi, era italiana, ele acrescentou. Mas por que essa curiosidade?
Sentei-me ao lado dele, respirei fundo
e comecei a gaguejar, é que seria tão bom se ambos tivessem nascido lá. Estaria
agora escrevendo em italiano, italiano! – fiquei repetindo e abri o livro que
trazia na mão: Olha aí, pai, o poeta escreveu com todas as letras, nossa língua
é sepultura mesmo, tudo o que a gente fizer vai pra debaixo da terra,
desaparece!
Calmamente ele pousou o cigarro no
cinzeiro ao lado. Pegou os óculos. O soneto é muito bonito, disse me encarando
com severidade. Feio é isso, filha, isso de querer renegar a própria língua. Se
você chegar a escrever bem, não precisa ser italiano ou espanhol ou alemão,
você ficará na nossa língua mesmo, está me compreendendo? E as traduções?
Renegar a língua é renegar o pais, guarde isso nessa cabecinha. E depois (ele
voltou a abrir o livro), olha que beleza o que o poeta escreveu em seguida,
Amo-te assim, desconhecida e obscura, veja que confissão de amor ele fez à
nossa língua! Tem mais, ele precisa da rima para sepultura e calhou tão bem
essa obscura, entendeu agora? – acrescentou e levantou-se. Deu alguns passos e
ficou olhando a borboleta que entrou na varanda: Já fez a sua lição de casa?
Fechei o livro e recuei. Sempre que o
meu pai queria mudar de assunto ele mudava de lugar: saía da poltrona e ia para
a cadeira de vime. Saía da cadeira de vime e ia para a rede ou simplesmente
começava a andar. Era o sinal. Não quero falar nisso, chega. Então a gente
falava noutra coisa ou ficava quieta.
Tantos anos depois, quando me avisaram
lá do pequeno hotel em Jacareí que ele tinha morrido, fiquei pensando nisso,
ah! Se quando a Morte entrou, se nesse instante ele tivesse mudando de lugar.
Mudar depressa de lugar e de assunto. Depressa, pai, saia da cama e fique na
cadeira ou vá pra rua e feche a porta!
Durante aquele estranho chá: perdidos e achados.
Rio
de Janeiro: Rocco, 2002, p. 109-111.
1 – O poeta chama a língua portuguesa
de flor do Lácio.
a)
Recorde
o comentário da narradora:
“O tal de Lácio eu não sabia onde ficava...”
Você sabe onde ficava “o tal de Lácio”: onde?
Na Península Itálica (região onde surgiu Roma)
b)
Por
que o poema chama a língua portuguesa de flor do Lácio?
Porque é um produto excepcionalmente bom, bonito
(como uma flor) da língua que se falava no Lácio; porque é uma língua tão bela
quanto uma flor que tem sua origem no latim, língua falada no Lácio.
2 – O poeta atribui à língua
características que se opõem; explique:
a)
A
língua é bela, mas é inculta – porque é inculta?
É inculta porque não é produto de cultura, é a
língua de um povo ainda sem tradição cultural; É inculta, porque é primitiva,
rude.
b)
A
língua é esplendor (brilho, grandiosidade), mas é sepultura – por que é
sepultura?
Porque, por ser uma língua desconhecida, o que é
escrito nela fica fora do alcance dos outros, fica escondido, oculto.
3 – Por que a narradora ficou tão
perturbada ao ver a língua portuguesa chamada de sepultura?
Porque escrevia e assustou-se com a
possibilidade de que não tivesse leitores, de que seus textos ficassem
inacessíveis.
4 – Para a narradora, a solução para
escapar da língua-sepultura seria escrever em italiano:
“Estaria agora escrevendo em italiano,
italiano!”
a)
Por
que italiano, e não francês, alemão, inglês...?
Porque era descendente de italianos, poderia ter
nascido na Itália, a língua italiana era para ela uma possibilidade que tinha
sido perdida.
b)
Escrever
em italiano e não em português seria melhor não por causa do número de falantes
– observe que o italiano não está incluído no quadro da p. 195. Que vantagem
teria o italiano sobre o português?
O italiano é uma língua mais difundida no mundo,
mais estudada, mais conhecida, é a língua de um país com mais representação
econômica, cultural e literária que os países de língua portuguesa.
5 – Recorde a opinião do pai sobre o
poema:
“O soneto é muito bonito...”
Veja, na p. 200, o poema de Olavo Bilac – um soneto; conte o número de
estrofes, o número de versos em cada estrofe e conclua: qual é a forma de um
soneto?
O objetivo é provocar a leitura do poema
de Bilac e aproveitar a referência a soneto, na crônica, para que os alunos
conheçam esta forma de composição poética.
02 – A LÍNGUA MÃE
Não sinto o mesmo gosto nas palavras:
Oiseau e pássaro.
Embora elas tenham o mesmo sentido.
Será pelo gosto que vem de mãe? De
língua mãe?
Seria porque eu não tenha amor pela
língua de Flaubert?
Mas eu tenho.
(Faço este registro porque tenho a
estupefação de não sentir
Com a mesma riqueza as palavras
oiseau e pássaro).
Penso que seja porque a palavra
pássaro em mim repercute a infância
E oiseau não repercute.
Penso que a palavra pássaro carrega
até hoje nela o menino que ia
De tarde pra debaixo das árvores a
ouvir os pássaros.
Nas folhas daquelas árvores não tinha
oiseaux
Só tinha pássaros.
É o que me ocorre sobre língua mãe.
Manoel de Barros. O fazedor de
amanhecer. Rio de Janeiro:
Salamandra, 20011. [s.p.].
1 – O poema tem “a estupefação” de
não sentir com a mesma riqueza as palavras em português e em francês. Por que
isso lhe causa “estupefação”?
Porque ele tem amor pela língua
francesa, como tem pela língua mãe, assim, deveria gostar igualmente das duas
palavras.
2 – No final do poema, o poeta
encontra a explicação para o fato de não sentir o mesmo gosto nas palavras em
francês e em português.
a)
Qual
é a explicação?
Ele na infância só sabia a palavra pássaro, que
ficou ligada às suas experiências de menina com pássaros: a palavra pássaro
carrega lembranças da infância, a palavra oiseau, não.
b)
Considerando
essa explicação, está certo o poema quando diz, no início do poema, que as duas
palavras tem o mesmo sentido?
Resposta pessoal: A expectativa é que os alunos
percebam que as duas palavras não tem, na verdade, o mesmo sentido para o
poeta, e concluam que as palavras adquirem um sentido diferente, conforme as
experiências e conhecimentos da pessoa.
3 – O poema chama sua língua mãe; por
que a língua é mãe?
Porque é a sua língua de origem; a
primeira que aprendeu; a língua em que se educou, se formou, a língua que
aprendeu da mãe.
4 – Na opinião de vocês, é possível
sentir em um língua estrangeira a mesma riqueza e o mesmo gosto que se sente na
língua materna?
Resposta pessoal: O objetivo é levar os
alunos a refletir sobre a relação entre a língua e a constituição da
identidade, e a expectativa é que percebam que a primeira língua aprendida na
infância institui um modo de pensar, de sentir próprios de uma cultura, de uma
nacionalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário