9 passos para o ensino da história negra nas escolas
Confira como as escolas podem - e devem! - aplicar o
conteúdo exigido pela lei 10.639, e saiba o que você pode fazer para
contribuir com processo
Foto: Dreamstime
Desde 2003, as escolas são
obrigadas a inserir no currículo a história afro-brasileira nas áreas
social, econômica e política do país
História do Brasil finalmente incluiu a história de nossas negras raízes no currículo escolar. Sem deixar para trás, claro, a origem portuguesa e a indígena,
o conteúdo tem de abordar a vinda involuntária dos africanos. Isso por
que, em 2003, o que já deveria ser um direito virou lei. A
obrigatoriedade do tema "História e Cultura Afro-brasileira e Africana" existe desde que foi aprovada a lei 10.639. A partir da sanção dessa lei, as instituições de ensino brasileiras passaram a ter de implementar o ensino da cultura africana, da luta do povo negro no país e de toda a história afro-brasileira nas
áreas social, econômica e política. O conteúdo deve ser ministrado nas
aulas de história e, claro, em todo o currículo escolar, como nas
disciplinas de artes plásticas, literatura e música. E isso em TODAS as
escolas de Ensino Fundamental e Médio das redes pública e privada.
Para
se adequar à lei, cabe às escolas encontrar um modo de redesenhar as
aulas para encaixar os conteúdos exigidos. Um exemplo de que isso é
possível acontece no Colégio Friburgo, em São Paulo. A coordenadora do
Ensino Fundamental, Eni Spimpolo, conta que os resultados vão além do
simples aprendizado da matéria. "Mostrando que a mistura do povo
brasileiro foi feita por vários povos através dos tempos, conseguimos
comparar diversas culturas, valorizá-las, promover o respeito a elas e
derrubar preconceitos", conta.
Veja a seguir como as
instituições de ensino podem superar as dificuldades para implantar - de
verdade! - as exigências da lei em seus currículos e como você, pai,
pode, e deve, contribuir nesse processo:
1. Qual o objetivo da lei 10.639?
"Para qualquer pessoa se
afirmar como ser humano ela tem de conhecer um pouco da sua identidade,
das suas origens, da sua história", diz Kabengele Munanga, professor de
Sociologia da USP e vice-diretor do Centro de Estudos Africanos da
instituição.
No Brasil, os afro-brasileiros representam 51% da população, segundo
dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2009. A
intenção da lei 10.639 é contribuir para a superação dos preconceitos e
atitudes discriminatórias por meio de práticas pedagógicas de qualidade,
que incluam o estudo da influência africana na cultura nacional.
Quais são as dificuldades de aplicação da lei 10.639?
Segundo
o professor Eduardo de Assis Duarte, a não adequação à lei está
relacionada, basicamente, a três fatores: despreparo e desconhecimento
dos professores com relação ao tema; pouco material de estudos produzido
sobre a história e cultura dos afro-brasileiros no Brasil; preconceito
de algumas instituições. "Quando a escola quer fazer, ela faz, inventa
formas de suprir as carências", afirma o coordenador do Núcleo de
Estudos Interdisciplinares da Alteridade da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para facilitar a implementação da lei 10.639, o Ministério da Educação
(MEC) está criando políticas e programas voltados para ações de reconhecimento e valorização da diversidade sociocultural.
. O material didático brasileiro já está de acordo com a lei?
Para Kabenguele Munanga, professor de sociologia da USP e vice-diretor
do Centro de Estudos Africanos da instituição, os livros didáticos, no
Brasil, ainda não têm uma orientação que realmente contemple as raízes
africanas do país. A professora de língua portuguesa Débora Adão, da
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Vila Ursolina, de São
Paulo, concorda: "Alguns livros até mencionam piadas preconceituosas
(leia acima medidas do MEC para combater esse tipo de abordagem), o que
merece toda a atenção dos pais.
Ainda assim, a vice-diretora do Colégio Sidarta, Maria Aparecida
Schleier acredita que é possível encontrar materiais didáticos de
qualidade e aproveitá-los em benefício dos alunos. "Os conteúdos sobre
cultura e história afro-brasileira de alguns livros são bons, mas servem
apenas como pontos de apoio". Ela conta que os alunos aprendem muito
com atividades que vão além do conteúdo dos livros. "A música é uma
ótima forma de memorizar conteúdos e, nestas aulas, passamos cantos
afro-brasileiros e indígenas para os alunos"
De quem é a responsabilidade pelo cumprimento da lei?
Segundo
o MEC (Ministério da Educação), em 2004, o CNE (Conselho Nacional de
Educação) estabeleceu que a responsabilidade de regulamentar e
desenvolver as diretrizes previstas pela lei 10.639 é dos Conselhos de
Educação Municipais, Estaduais e do Distrito Federal. Além disso, cada
sistema deve fazer o controle das unidades da sua rede de ensino
encaminhando um relatório de atividades ao MEC, à SEPPIR (Secretaria de
Política de Promoção da Igualdade Racial) e ao CNE (Conselho Nacional de
Educação) anualmente.
Os gestores de ensino nas escolas devem incentivar pais e professores a
discutir as bases curriculares dos projetos pedagógicos das escolas
levando em conta as temáticas previstas pela lei. Também é recomendado
que as escolas procurem formas de pedir financiamento para Ministério da
Educação, prevendo, por exemplo, a disponibilidade de obras para
qualificar os projetos pedagógicos da instituição de ensino.
Como exigir a aplicação da lei na escola do seu filho?
A
lei 10.639 não estabelece prazo para a implementação de suas diretrizes
em 100% dos municípios brasileiros. Mas fique atento, pois existe, sim,
uma determinação prevista no Plano Nacional de Implementação para que
certas metas sejam cumpridas até 2015. O Texto do Plano está disponível no Portal MEC .
Uma forma de exigir que a lei seja cumprida é participar do Conselho
Escolar - a representação dos pais nesse espaço é garantida pela
legislação Educacional do Brasil - e elaborar, junto com os professores e
gestores de ensino, o projeto pedagógico da escola. "O pai precisa ter
ciência do que a escola está ensinando para o seu filho. Hoje em dia, os
meios de comunicação, como e-mail e sites, ajudam a fazer isso", afirma
a diretora pedagógica do Colégio Vértice, Ana Maria Gouveia Bertoni.
6. Como preparar os professores para cumprir a lei 10.639?
Uma
das estratégias do MEC (Ministério da Educação) é a formação presencial
e à distância de professores sobre o tema, através de cursos. Segundo
Débora Adão, professora da Escola Estadual Vila Ursolina, de São Paulo,
os professores precisam estar abertos para buscar informação em vários
lugares, não apenas nos livros. "Uma dica muito importante é partir de
questões que estão próximas dos alunos. Os professores devem conhecer a
realidade dos estudantes para trabalhar o tema. O aluno precisa voltar
para casa e ter o que contar, tem que levar essas questões para a
família naturalmente", diz.
Foi o que fez Adriana Santos da Silva, diretora da Escola Estadual
Doutor Victor de Britto, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ela
procurou por conta própria cursos de especialização sobre a história e
cultura afro-brasileira oferecidos pelo MEC. "Fiz dois cursos a
distância que foram maravilhosos. O MEC oportuniza, mas os professores
também têm que ir atrás". Com o conteúdo aprendido, Adriana desenvolveu
projetos na escola onde trabalha. "Comecei a abordar o tema pela
identidade cultural local, tentando quebrar aquele tabu de que no Rio
Grande do Sul só tem loiros", conta a diretora.
Com a visibilidade nacional que a escola ganhou pela boa implantação da
lei 10.639, foi possível garantir um tempo específico à carga horária na
instituição de ensino para a produção de estudos e atividades sobre o
tema. "A Secretaria da Educação do Estado permitiu isso facilmente
porque viu o trabalho que estamos fazendo na escola", comemora Adriana
Santos da Silva.
Como os alunos podem participar?
No
processo de aprendizado, vale pedir para os alunos trazerem suas
dúvidas sobre as diferenças étnicas e culturais que os cercam. As
perguntas podem ser elaboradas com os pais, em casa, e trazidas para a
sala de aula depois. "Se queremos trabalhar a arte da cultura negra nas
aulas, pedimos para os alunos trazerem informações a respeito", diz Eni
Spimpolo, coordenadora do Ensino Fundamental do Colégio Friburgo. Eni
conta que o Colégio tem muitos alunos negros e que, também por isso, a
intenção é fazer com que os preconceitos com relação às diferenças sejam
derrubados através de estudos, de pesquisas, da convivência e do
respeito.
. Como você pode colaborar?
A
família tem muito a contribuir com o principal objetivo da lei 10.639: a
superação dos preconceitos e atitudes discriminatórias entre os
brasileiros. Afinal, o aluno deve ser estimulado em casa a conversar
sobre o que foi aprendido na escola. Comentar e valorizar os temas
estudados facilita o aprendizado e é por isso que a participação dos
pais é fundamental.
A especialista em relações raciais na educação na Universidade de Santa
Cruz, em Ilhéus, Bahia, Rachel de Oliveira, recomenda que os pais
colaborem, inclusive, com sugestões de conteúdo para as aulas. "Se o pai
tiver conteúdo sobre o tema, deve passá-lo à escola para incentivar a
abordagem dentro do currículo da instituição".
Para vivenciar e aprender
Experiências
fora da sala de aula são formas diferentes de abordar a cultura e
história afro-brasileira. Confira os museus recomendados pelos
especialistas para fazer parte deste aprendizado.
- Museu Afro Brasil: além de exposições itinerantes, o público
pode ter verdadeiras aulas de história e cultura afro-brasileira e
africana em um acervo permanente que conta com mais de quatro mil obras.
"A maioria do público atendido aqui é de escolas públicas. As visitas
monitoradas são temáticas para agregar a teoria à prática em sala de
aula", diz Tainá Carvalho, membro do Núcleo de Educação do museu. "Esse é
um museu de história e memória, então toda mediação é feita com intuito
de quebra de estereótipos para o aluno perceber a real influencia do
negro na formação Brasil". As escolas que quiserem levar seus alunos ao
museu podem agendar visitas monitoradas. A entrada é gratuita. Museu
Afro Brasil - Av. Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque Ibirapuera , Portão
10 , São Paulo/SP - Telefone: (11) 3320-8900 | Terça-feira a Domingo
das 10h às 17h | Entrada gratuita. museu@museudalinguaportuguesa.org.br
- Museu da Língua Portuguesa: a influência africana na formação
do povo brasileiro é mostrada de uma maneira didática e curiosa: através
da origem das palavras da nossa língua. Bumbum, batuque, banguela,
berimbau, dengo, chuchu, canjica, tanga são algumas das palavras que
usamos no nosso cotidiano e têm origem nas línguas africanas trazidas ao
Brasil pelos escravos negros nos século 16. A entrada é gratuita aos
sábados e as escolas podem agendar visitas monitoradas Museu da
Língua Portuguesa - Estação da Luz Praça da Luz, s/nºCentro, São
Paulo/SP
Telefone: (11) 3326-0775 | Terça-feira a Domingo das 10h às 17h |
Ingresso: R$ 6 (inteira adulto); R$ 3 (meia estudante) - crianças até 10
anos não pagam. Entrada gratuita aos sábados.
www.museudalinguaportuguesa.org.br
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