segunda-feira, 15 de setembro de 2014

 

 

Dignidade no lar

Costumo almoçar, aos domingos, na casa do príncipe dos poetas brasileiros, Paulo Bomfim. É um prazer desfrutar de sua prosa leve. Ouço lições do mestre Nalini e histórias de Lygia, a menina dos contos. Sinto-me um aprendiz privilegiado. Quem cozinha é Lúcia. Uma mulher que encanta pela simpatia e pela alegria de viver. Diz o poeta que é ela a luz que ilumina o seu entardecer. 
Num domingo desses, não pude ir. Fui à casa de alguns conhecidos. Era uma reunião de aniversário. A comida era muito boa. Pedi para agradecer a cozinheira. A dona da casa e sua filha pequenina me acompanharam até a cozinha. Agradeci a moça e disse que o risoto estava perfeito. Ela, timidamente, agradeceu. Foi quando a criança soltou: "Mas ela não pode comer, porque mamãe não deixa". A mãe ralhou com a filha e tentou uma explicação: "Ela não está acostumada a comer esses pratos mais enjoados, gosta mesmo é do seu arroz com feijão".
Eu gosto muito de arroz com feijão. E ovo. E couve. E salada. Mas não gosto de gente que destrata gente. Quantas cozinheiras passam por isso! Cozinham para os seus patrões e sequer podem experimentar o prato que fizeram. Triste arrogância. Muro da vergonha que separa quem tem mais de quem tem menos. Imagine impedir alguém – que cuida da nossa vida, da nossa comida, da nossa roupa, da limpeza de nossa casa – de desfrutar da comida que nos prepara. Olhei com tristeza para a lamentável cena. Dei um abraço forte na cozinheira e, mais uma vez, agradeci. E parti. Parti saudoso dos almoços de domingo na casa do poeta. Em que Lúcia faz parte da família. Da minha casa, em que Lu cuida e é cuidada. Alimenta-nos e é alimentada por tudo o que podemos dar a ela.
O conceito de "próximo" na Bíblia é desafiador. É preciso cuidar de quem está perto. Se não conseguirmos fazer isso, não cuidaremos de ninguém.
 
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 12/09/2014

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