quinta-feira, 1 de outubro de 2015




                                               Pamonha, pamonha, pamonha

Sérgio Tannenbaum

            Ainda não eram nove da manhã e a perua dobrava a esquina e vinha lentamente em direção ao prédio, anunciando:
           “Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonha de Piracicaba. Pamonha, milho verde e curau.”
Uma frase já era suficiente para acordar qualquer um. Mesmo aqueles de sono mais pesado eram religiosamente despertados pelo homem da pamonha, todos os domingos. E enquanto houvesse um único morador

no prédio ou em toda vizinhança dormindo, lá vinha o alto-falante:
“Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonha de Piracicaba. Pamonha, milho verde e curau.”
Nas primeiras semanas, apesar do incômodo, nada fizemos. Era só uma questão de tempo. Logo o Pamonha, como ficou conhecido o sujeito, iria arrumar outros clientes nas redondezas e nos deixaria em paz. Mas passados dois meses, o inferno continuava. Por isso, resolvemos convocar uma reunião dos moradores.
A assembléia foi marcada para o domingo, às nove da manhã. Tínhamos certeza de que todos estariam acordados e, principalmente, revoltados com o Pamonha. Foi o maior quorum em assembléias de toda a história do condomínio.
Foram necessários menos de quinze minutos para a deliberação final.
Definiram-se três etapas para se alcançar o objetivo. A primeira consistia em dialogar com o Pamonha e tentar convencê-lo a ir embora. A segunda etapa seria subornar o Pamonha para que ele sumisse do mapa. Se isso também não funcionasse, a última etapa, a mais radical, deveria entrar em ação. Uma criança, escolhida por sorteio no condomínio, iria se vestir com um colete de dinamite e ser explodida exatamente no momento em que fosse comprar uma pamonha.
A terceira etapa nem precisou ser acionada. O Pamonha fez um acordo: não mais usaria o alto-falante se tivesse garantida a compra de vinte pamonhas por domingo. Era um preço baixo que tínhamos que pagar. Dividíamos as despesas entre os moradores. Cada semana, cinco apartamentos recebiam as pamonhas. Muitos abriram mão da pamonha e apenas pagavam a sua parte.
Com o passar do tempo, as pessoas foram enjoando das pamonhas. Ninguém mais agüentava o cheiro de milho verde. Em nova assembléia, novamente por unanimidade, ficou estabelecido que o Pamonha nem precisaria mais entregar as pamonhas. E mais: se ele insistisse em entregar as pamonhas, a etapa três seria ativada. Mas, para o Pamonha não sair no lucro, combinamos que ele deveria entregar as pamonhas gratuitamente numa favela próxima.
O valor rateado para pagar o Pamonha já estava embutido no total do condomínio do mês, o que fez com que muitos moradores esquecessem definitivamente o assunto. Os novos moradores surpreendiam-se ao ver na prestação de contas do condomínio um item denominado “taxa do Pamonha”. Diante do valor pouco expressivo, contentavam-se com qualquer explicação do síndico.
O Pamonha, por sua vez, cumpriu sua parte no acordo. Toda semana aparecia na favela pra distribuir as pamonhas gratuitas. Assim, foi-se tornando muito popular e querido na região. No domingo, as crianças esperavam ansiosas a chegada da perua. Para muitas, o curau, o milho verde ou as pamonhas entregues de graça eram a única refeição em muitos dias.
O Pamonha já não era só o Pamonha. Passou a ser chamado de o “Pamonha, o amigo dos pobres”. E mesmo sem nos consultar, ele resolveu entregar as pamonhas gratuitas em outras favelas mais distantes. Em dois anos, “Pamonha, o amigo dos pobres” já era conhecido em todas as favelas da região. Seus fãs queriam ver o seu trabalho comunitário e filantrópico patrocinado pelo governo, já que “o coitado pagava tudo do bolso”. Queriam-no como vereador.
As comunidades que o Pamonha visitava aos domingos resolveram se unir para eleger o seu candidato. Fizeram bazares, jogos de futebol e venderam artesanato com o objetivo de arrecadar fundos. Consultores de marketing político foram contratados. A candidatura do Pamonha se tornou realidade.
Agora, três vezes por dia, todos os dias da semana (inclusive domingo), passa um trio elétrico na porta do prédio, anunciando:
“Pamonha, Pamonha, Pamonha. Pra vereador, vote no Pamonha, o amigo dos pobres.”


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Estudo do Texto

 1) Por que os moradores resolveram fazer uma reunião?
 
2) A reunião foi marcada para domingo às 9 horas. Por quê?
 
3) Os moradores chegaram rapidamente a um acordo sobre o que seria feito. Quais eram as três etapas que eles seguiriam para acabar com o problema?
 
4) “A terceira etapa nem precisou ser acionada. O Pamonha fez um acordo.” Qual foi o acordo feito?

 5) Por que o Pamonha ficou conhecido como “Pamonha, o amigo dos pobres”?
 
6) As pessoas queriam o Pamonha como vereador. O que elas fizeram para que isso se tornasse real?

 7) Qual foi a consequência da candidatura do Pamonha para os moradores do prédio?

 8) Qual desses ditados populares funciona como moral da história?
a) Quem ri por último, ri melhor.
b) Nada é tão ruim que não possa piorar.
c) O pior cego é aquele que não quer ver.
d) Um dia da caça, outro do caçador.

Respostas:
1) Porque não aguentavam mais ser acordados pelo carro da pamonha.
2) Porque todos estariam acordados por causa do carro da pamonha e estariam irritados com isso.
3) 1ª - dialogar com o Pamonha; 2ª - suborná-lo; 3ª - sortear uma criança do condomínio para usar um colete de dinamites e explodir na hora de comprar a pamonha.
4) Eles pagariam um valor fixo de 20 pamonhas e ele não passaria. 
5) Porque dava as pamonhas pagas para pobres em favelas.
6) Bazares, jogos de futebol, artesanatos etc.
7) Agora passa todos os dias, 3x por dia, um trio elétrico anunciando a candidatura dele.
8) b) Nada é tão ruim que não possa piorar.
 

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