quinta-feira, 1 de outubro de 2015



Por um Cacho de Bananas

 
Depois de muitos anos, o filho do coronel estava de volta na pequena cidade. Agora, doutor formado, caminhava com passos firmes e cabeça erguida, bem diferente do rapaz que era: franzino; tímido; sem brilho, ofuscado pela sombra do pai. Trazia um mundo novo nos seus olhos, um mundo que se abriu a seus pés, escancarado, longe daquela redoma. Apesar do dinheiro que nunca lhe faltou, pôde ver o sofrimento bem de perto: das famílias que, sem recursos, procuravam ajuda desesperadas no campus da faculdade cercando os estudantes de medicina, como aconteceu várias vezes com ele; outras, que apesar de todo o dinheiro que dispunham eram incapazes de salvar seus filhos. Quantas e quantas vezes viu na morte o golpe de misericórdia, o fim do sofrimento de longas batalhas de dor; em quantas outras ela se mostrou covarde, ceifando jovens vidas... Apesar da segurança, do ar de superioridade que seu título, suas roupas e toda a pompa lhe pintava, havia se tornado uma pessoa bem mais humilde, pois apesar da pouca idade, a experiência já havia lhe ensinado a reconhecer sua impotência diante de várias situações.

Foi recebido com festa, a mãe era todo orgulho. Era o sonho dela ver o filho médico. O pai também mal podia disfarçar o orgulho, apesar que sempre quis mesmo ver o filho, junto com ele, comandando os negócios e a fazenda. Talvez teria essa chance agora que o filho estava de volta. Ele conhecia bem o desejo do pai e pôde notar com pouca conversa que não havia mudado, como notou logo na estação, assim que desceu do trem, que pouca coisa havia mudado ali. Mas na verdade não tinha intenção nenhuma de ficar. Sabia que seria por pouco tempo, apenas uma visita um pouco mais longa. Pensava em voltar para a capital, abrir seu consultório por lá, ficar perto da faculdade e, quem sabe, continuar de alguma forma seus estudos. Além disso, havia deixado um amor para trás, e um nó estava apertando sua garganta desde o último aceno da amada com um lenço branco na mão um dia antes na estação da capital.

Alguns dias se passaram. O clima de festa já havia mudado completamente. Os negócios da família iam muito bem, mas a forma com que o pai controlava tudo, a falta de paciência e educação no trato com os empregados, lhe perturbava muito, como nunca antes havia perturbado. Via no pai um homem infeliz que apesar de todo dinheiro e conforto nunca conseguiu ter paz. Sempre em busca de mais e mais, vítima da própria ambição. Não tinha certeza dos fatos, mas sabia das acusações de crimes atribuídos ao coronel. Para piorar o clima, a persistência do pai em tentar convencê-lo a tocar os negócios ficava cada vez mais constante. Chegou ao ponto de dizer que os negócios da família rendiam mais que um hospital inteiro, como se tudo fosse apenas uma questão de dinheiro. Na cabeça do jovem médico, se fosse esta a questão, sabia que já tinham o suficiente para mais de dez gerações.

Já era fim de tarde quando o coronel pediu para o capataz providenciar mais um cavalo e chamou o filho para dar uma volta pela fazenda. O médico já imaginava a intenção do pai, mais uma tentava para convencê-lo, mas não pôde recusar. Pelo horário seria uma volta rápida, logo a noite cairia. Seguiram por alguns quilômetros. O pai entusiasmado mostrava seus feitos. A conversa ia bem, nunca recebera tanta atenção do pai, talvez se tivesse sido assim antes a história seria outra. Num primeiro momento, a medicina foi mais para sair dali, bem mais que uma vocação. Por alguns instantes viu o pai com os olhos um pouco diferente. Notou uma certa fragilidade, algo nunca antes concebível, e que a idade já o surrava. Sabia que o coronel teve uma educação rígida, talvez por isso agia daquela forma. Por um momento também, imaginou a possibilidade de ficar mesmo ali. Era um lugar carente, não havia nenhum médico na cidade e as pessoas tinham que viajar mais de trinta quilômetros até a cidade mais próxima, quase um dia inteiro a cavalo. Sua medicina poderia ajudar muito aquela gente e, com certeza, faria mais diferença ali que na capital. Pensou em sua amada. Casaria com ela. Talvez ela estranhasse um pouco no começo, mas com o tempo iria gostar do clima pacato da cidadezinha... Pela primeira vez, o desejo do pai ganhava uma oportunidade, mas a súbita imagem fragilizada do coronel que criou a possibilidade logo perderia a forma. Como uma premunição do que estava preste a presenciar, um pensamento veio como se tentasse arrancar a mascara da fantasia que sua imaginação havia criado, se deu conta que nunca viu bondade nas ações dos pai, em tudo havia uma intenção. Não dava para tentar disfarçar e ignorar isso.

Logo mais a frente, ao longe, ainda dentro dos limites da fazenda, viram um homem com um cacho de bananas no ombro. Sem dúvidas, estava roubando. O coronel deu um grito e disparou com o cavalo na direção do ladrão. O homem não correu, era um velho, não teve reação. Também sem reação, o jovem médico ficou de longe observando a cena, assombrado. O coronel, de cima do cavalo, com um chicote de montaria, batia sem piedades na costas do velho. Na terceira batida o velho não resistiu e caiu. O coronel recuou. O velho levantou, não pronunciou nenhuma palavra, deixou o cacho de bananas no chão e sem olhar para trás seguiu, com as costas sangrando. O coronel também não disse mais nada, deixou o velho ir, mas antes de voltar, fez com que o cavalo pisoteasse o cacho.

A briga com o pai foi inevitável. No outro dia, só com as roupas do corpo, o jovem médico voltava para a capital. Sabia que pelo orgulho do pai seria impossível uma reconciliação. E o coronel, por um cacho de bananas, acabava de perder seu único filho, que segundo suas próprias palavras, para ele estava morto
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário