quarta-feira, 23 de abril de 2014

O medo de conhecer-se a si mesmo

 
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Lola, minha querida, nada nesta vida assusta mais o ser humano do que o conhecimento pleno de si mesmo! A jornada para chegar até o nosso âmago não é rápida, nem leve, nem pode ser percorrida sem dor, renúncias e escolhas (sempre difíceis).

Racionalmente todos nós conseguimos construir nossas vidas, nossas profissões, nossas estradas. A nossa capacidade de planejar e executar é algo inquestionável! Todo ser humano parece vir de fábrica com certo dispositivo cognitivo que o leva a traçar planos longos e muito complexos para alcançar algum objetivo, mas quando a caminhada o leva para o desconhecido das emoções, aí Lola, o bicho pega, minha amiga!

Sabe, Clarice certa vez disse que “tinha medos bobos e coragens absurdas”, será que ela estava falando sobre o medo que nos dá quando enveredamos na busca do Eu? Será que o nosso pavor de mergulhar fundo em nós é bobo? Será que nas camadas mais profundas da nossa superfície cotidiana temos coragens absurdas para nos encarar, tal qual Narciso à beira do lago? E se o que vislumbrarmos não for bonito como Narciso, o que fazer?!? Retroceder ou continuar?!? Difícil decisão, né, Lola?!?

Quando estamos sozinhos, completamente sozinhos, e começamos a ouvir o silêncio, percebemos que esse “quase vazio que nos chama” abre as portas para uma viagem a caminho da iluminação de nossas almas e mentes, uma viagem dolorida que deixará cicatrizes, mas que fortalecerá o que de melhor possuímos e tirará as camadas que antes julgávamos essenciais e que percebemos o quão vazias eram!

A primeira parada dessa viagem interior é a pergunta: quem sou eu? Não, Lola! Nada de resposta imediata! Reflita, em silêncio, profundamente, sobre o significado dessa pergunta! Nesses últimos cinco meses, essa pergunta é uma constante nas minhas meditações ao amanhecer e ao anoitecer. A cada novo dia eu percebo como sou múltipla, complexa e ao mesmo tempo simples. Como se a cada nova camada descoberta de mim mesma me acometesse um espanto e uma euforia inomináveis! É perceber-se como um leque de possibilidades… perceber os diferentes rostos: mulher, menina, estudante, professora, intelectual, filha, irmã, neta, amiga, amor, amante, confidente… Lola! Como sou diversa! E, ao mesmo tempo, sou apenas uma! Acredito que quem de vocês se permitir esse primeiro passo perceberá que não há uma resposta no singular para a pergunta “quem sou eu?”, porque não é uma questão de nome/endereço/idade! É muito mais profundo que mero registro identitário!

O segundo ponto leva-nos a refletir sobre a questão: caminho ou descaminho? Perceba, Lola, aqui chegamos a um ponto em que analisaremos se a nossa “programação racional” é realmente aquilo que esperávamos! Analisaremos se nossas paixões e convicções valem a pena! Caminho é aquilo que costumamos seguir, nosso cotidiano, nossa vida racionalmente arrumada… amores, família, trabalho, esse é o trinômio do que chamamos de Caminho! Já o descaminho são as possibilidades! Ah, Lola, esses são infindos! É você parar, olhar e perceber que não importa tua idade nem se você ganha uma boa grana com o teu trabalho, pois, se o teu trabalho não te anima mais nem te traz retalhos de felicidade, então amiga, é hora de pensar em dobrar na próxima curva e seguir outro caminho! Vai ser barista, gourmet, cantor, bailarino, não importa! O que importa é perceber quando é necessário partir e mudar! Sim, Lola, esse ponto também serve para as coisas do coração! Se você se apaixonou, minha amiga, e viveu intensamente essa relação, mas percebeu que um abismo se formou no lugar onde deveria haver uma ponte, então tá na hora de repensar! Cultivar uma relação que estacionou em determinado ponto e não consegue, apesar de todos os esforços, ir para nenhuma direção é receita certa para o desastre! Não, Lola, não estou dizendo que escolher “descaminhos” é fácil! Muito pelo contrário! É muito difícil em certo ponto de nossas vidas escalar o precipício de volta e tomar outra vereda como um viandante que parte de casa rumo ao desconhecido, porque, Lola, é exatamente isso! Sair do confortável e desabar no precipício do desconhecido! Vai que ao longo da queda, você encontre alguém que te segure a mão? Que te ajude a ver a luz que brilha naquela profundeza? Mas, aqui, nesse processo de autoconhecimento e mudança interna, nesse ponto específico, descobrimos que decidir partir é o mais fácil, o difícil é conseguir passar pela porta! Até que damos o primeiro passo e percebemos que nem sempre o confortável é garantia de paz e felicidade, o confortável nos domestica, mas não somos seres domésticos, Lola, somos seres inquietos em busca de pessoas e coisas que nos estimulem a pensar, nos desafiem a sermos melhores, mais sábios, mais humanos!

Por fim, é preciso ter consciência que o conhecer-se a si mesmo nos leva à encruzilhada das escolhas e renúncias! Sim, Lola! Sempre que começamos esse mergulho no mais profundo de nós mesmos nos modificamos de forma irrevogável! Nos quebramos, caímos e, então, nos reconstruímos como pessoas diferentes daquelas que deram o primeiro passo dessa jornada! Cada escolha que fazemos vem acompanhada de uma renúncia, e aqui também, temos que ter coragens absurdas! É mais ou menos assim: no dia 14 de setembro de 2013 eu escolhi entrar no avião da TAP que me traria direto para Lisboa, ali, naquela fração de segundo, eu fiz escolhas que mudariam completamente minha vida! Eu abri mão do convívio cotidiano com a família e amigos em busca de um novo horizonte! Reforcei laços com aqueles amigos que comigo vieram! Conheci pessoas lindas que jamais cruzariam meu caminho no Brasil… pernambucanos, paraibanos, cearenses, mineiros, portugueses…. cada um deles me ajudou a costurar retalhos de felicidade, pequenos momentos no frio ou no sol, conversas densas ou leves, gargalhadas nas ruas… essa escolha me presenteou com seres humanos lindos e que me fazem perceber todos os dias o colorido que a vida tem!!


Lola, conhecer-se a si mesmo não é fácil, nunca será fácil, mas, mais cedo ou mais tarde, todos nós passaremos por isso! E quando sua hora vier, não “racionaliza” amiga, apenas sente e vai que no fim do arco-íris pode ser que aches teu pote de ouro!!

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