Sala de Aula
Há algumas
semanas atrás, logo no início da aula, uma de minhas alunas estava aos prantos.
Fiquei preocupada e, é claro, procurei saber o motivo de tantas lágrimas.
- Meu amor, o
que houve?
- "Fulana de
Tal" morreu pró – mais lágrimas e cara de desespero total.
Pelo nome dado
(mistura de nome internacional com marca de roupa), pensei que fosse um
animalzinho de estimação, um cachorrinho por exemplo, mas não quis perguntar,
poderia ser uma irmã ou a melhor amiga. Sei lá, fiquei com receio de errar e
piorar ainda mais a situação.
- Morreu como?
– Perguntei, já com cara de condolências.
- Ela foi
assassinada pró.
- Hã? -
Espanto da pró e mais perguntas para avaliar a gravidade do sofrimento da
adolescente em lágrimas.
- Como foi
isso? Era sua amiga, irmã, mãe, tia?
Nesse momento,
foi a vez do espanto geral da turma com tamanha ignorância da pró em relação a
notícia tão veiculada num tipo de programa, que eleva seus índices de audiência
esmiuçando a miséria humana. Tipo de programa, aliás, que a pró aqui se recusa a
assistir.
Mas, voltemos
ao diálogo.
-
Próoooooooooooo... "Fulana de Tal"!
Eu, me
sentindo uma alienada completa, procurava nos recônditos de minha memória
qualquer referência àquele nome, e nada. Decidi tentar adivinhar o que
tão famosa pessoa fazia da vida. Pelo nome, acreditei que poderia ser uma
cantora de funk carioca, dessas que colocam um shortinho, berram meia dúzia de
besteiras e rebolam. Arrisquei perguntar se era.
- Era cantora
de funk?
Olhos
arregalados, risos e mais espanto da turma.
-
Nãoooooooooooo pró. Era a namorada de "Sicrano".
Pronto, tinha
matado a charada. "Sicrano" deveria ser um famoso jogador de futebol ou um
desses cantores de pagode, que as adolescentes amam.
Arrisquei
novamente.
- "Sicrano" é
jogador de futebol ou cantor de pagode?
Dessa vez,
mais risos e uma certa impaciência com tanta alienação da pró.
Imperdoável!
- Não pró,
"Sicrano" é traficante.
Pró
perplexa... Aquele era o momento da Pró conhecer as informações sobre o
crime.Meus alunos
sabiam tudo sobre o "Sicrano" famosíssimo e, diante da enxurrada de reportagens
sobre "Fulana de Tal" no tal programa, conheciam a vida da primeira dama do
tráfico, desde o nascimento até o dia do enterro que, aliás, levou duas mil
pessoas (?) ao cemitério.
Me refiz do
susto e aproveitei o momento para conversar com eles sobre o assunto. Expliquei
que ninguém merece morrer daquele jeito, mas tentei fazê-los refletir o porquê
de "Fulana de Tal" ter acabado naquele mundo de drogas, prisões e sabe-se o que
mais, que a fez morrer jovem e de maneira tão trágica.
Ao final desta
reflexão, disse-lhes que, tendo certeza que eles não queriam levar aquele tipo
de vida, não conseguia entender tanta admiração por "Fulana de Tal". Minha
aluna, aquela que estava aos prantos, um pouco indignada com minha "falta de
sensibilidade", olhou-me como se eu não estivesse entendendo o óbvio e
disse:
- Eu só queria
ter o corpo dela! – Mais lágrimas....
Pode???
É, meus
amigos, vida de professora não é fácil não, ainda mais com valores tão
invertidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário