terça-feira, 22 de abril de 2014

Sala de Aula


Há algumas semanas atrás, logo no início da aula, uma de minhas alunas estava aos prantos. Fiquei preocupada e, é claro, procurei saber o motivo de tantas lágrimas.

- Meu amor, o que houve?

- "Fulana de Tal" morreu pró – mais lágrimas e cara de desespero total.

Pelo nome dado (mistura de nome internacional com marca de roupa), pensei que fosse um animalzinho de estimação, um cachorrinho por exemplo, mas não quis perguntar, poderia ser uma irmã ou a melhor amiga. Sei lá, fiquei com receio de errar e piorar ainda mais a situação.

- Morreu como? – Perguntei, já com cara de condolências.

- Ela foi assassinada pró.

- Hã? - Espanto da pró e mais perguntas para avaliar a gravidade do sofrimento da adolescente em lágrimas.

- Como foi isso? Era sua amiga, irmã, mãe, tia?

Nesse momento, foi a vez do espanto geral da turma com tamanha ignorância da pró em relação a notícia tão veiculada num tipo de programa, que eleva seus índices de audiência esmiuçando a miséria humana. Tipo de programa, aliás, que a pró aqui se recusa a assistir.

Mas, voltemos ao diálogo.

- Próoooooooooooo... "Fulana de Tal"!

Eu, me sentindo uma alienada completa, procurava nos recônditos de minha memória qualquer referência àquele nome, e nada. Decidi tentar adivinhar o que tão famosa pessoa fazia da vida. Pelo nome, acreditei que poderia ser uma cantora de funk carioca, dessas que colocam um shortinho, berram meia dúzia de besteiras e rebolam. Arrisquei perguntar se era.

- Era cantora de funk?

Olhos arregalados, risos e mais espanto da turma.

- Nãoooooooooooo pró. Era a namorada de "Sicrano".

Pronto, tinha matado a charada. "Sicrano" deveria ser um famoso jogador de futebol ou um desses cantores de pagode, que as adolescentes amam.

Arrisquei novamente.

- "Sicrano" é jogador de futebol ou cantor de pagode?

Dessa vez, mais risos e uma certa impaciência com tanta alienação da pró. Imperdoável!

- Não pró, "Sicrano" é traficante.

Pró perplexa... Aquele era o momento da Pró conhecer as informações sobre o crime.Meus alunos sabiam tudo sobre o "Sicrano" famosíssimo e, diante da enxurrada de reportagens sobre "Fulana de Tal" no tal programa, conheciam a vida da primeira dama do tráfico, desde o nascimento até o dia do enterro que, aliás, levou duas mil pessoas (?) ao cemitério.

Me refiz do susto e aproveitei o momento para conversar com eles sobre o assunto. Expliquei que ninguém merece morrer daquele jeito, mas tentei fazê-los refletir o porquê de "Fulana de Tal" ter acabado naquele mundo de drogas, prisões e sabe-se o que mais, que a fez morrer jovem e de maneira tão trágica.

Ao final desta reflexão, disse-lhes que, tendo certeza que eles não queriam levar aquele tipo de vida, não conseguia entender tanta admiração por "Fulana de Tal". Minha aluna, aquela que estava aos prantos, um pouco indignada com minha "falta de sensibilidade", olhou-me como se eu não estivesse entendendo o óbvio e disse:

- Eu só queria ter o corpo dela! – Mais lágrimas....

Pode???

É, meus amigos, vida de professora não é fácil não, ainda mais com  valores  tão invertidos.

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