segunda-feira, 7 de julho de 2014



ofessores & professauros


Celso Antunes

Que se imagine uma outra galáxia e, nesta, um planeta habitado. Com civilização bem mais antiga que a da Terra, apresenta progresso material e moral bem mais avançado que o nosso. Nesse planeta, um pesquisador resolve conhecer um pouco sobre como se desenvolve a educação em um outro mundo habitado, agora bem mais atrasado, e que se chama Terra. Valendo-se da notável tecnologia que sua avançada cultura alcançou, disfarça-se em estudante terráqueo e, após muitas aulas que observa, prepara seu relatório, destacando que no planeta visitado encontrou dois tipos de ensinantes que, trabalhando com as mesmas dificuldades e regalias no mesmo espaço, apresentam significativas diferenças entre si. Para diferenciar profissionais assim tão díspares, chama o primeiro de "professores" e os outros de "professauros", por identificar, nestes últimos, formas de pensamento comuns ao período Cretáceo, dominado pelos grandes dinossauros. Segue, extraído desse original relatório, algumas diferenças essenciais entre os dois.

Quanto ao ano letivo que se inicia:
Para os professores, uma oportunidade ímpar de aprender e crescer, um momento mágico de revisão crítica e decisões corajosas; para os professauros, o angustiante retorno a uma rotina odiosa, o eterno repetir amanhã tudo quanto de certo e de errado se fez ontem.

Quanto aos alunos que acolhem:
Para os professores, a alegria de percebê-los cada vez mais sabidos e curiosos e a vontade de fazê-los efetivos protagonistas das aulas que ministrarão. A certeza de que não os ensinarão, mas poderão contribuir de forma decisiva para iluminar suas inteligências e afiar suas muitas competências. Para os professauros, nada mais que chatíssimos clientes que transformados em espectadores pensarão sempre mais na indisciplina que na aprendizagem, na vagabundice que no crescimento interior.

Quanto às aulas que deverão ministrar:
Para os professores, um momento especial para propor novas situações de aprendizagens pesquisadas e através das mesmas provocar reflexões, despertar argumentações, estimular competências e habilidades; para os professauros, nada além que a repetitividade de informações que estão nos livros e apostilas e a solicitação de esforço agudo das memórias para acolher o que se transmite, ainda que sem qualquer significação e poder de contextualização ao mundo em que se vive.

Quanto aos saberes que se trabalhará:
Para os professores, um volume de informações que necessitará ser transformado em conhecimentos, uma série de veículos para que com eles se aprenda a pensar, criar, imaginar e viver; para os professauros, trechos cansativos de programas estáticos que precisam ser ditos, ainda que não se saiba por que fazê-lo.

Quanto à vida que se vive e os sonhos que se acalanta:
Para os professores, desafios a superar, esperanças a aguardar, conhecimentos para cada vez mais se aprender, a fim de se fazer da arte de amar o segredo do viver; para os professauros, a rotina de se trabalhar por imposição, casar por obrigação, fazer filhos por tradição, empanturrar-se para depressa se aposentar e quanto antes morrer.
O relatório do pesquisador espacial prossegue, mas não é objetivo desta crônica pelo mesmo avançar. O que com a mesma, efetivamente, se pretende são duas singelas interrogações. Você descobre em colegas que conhece quem pertence a uma e a outra categoria? E você, prezado amigo ou amiga, com sinceridade, a que categoria pertence?

Nem todos os dinossauros estão extintos!
Mal entrou na sala e já foi tratando de deixar as coisas às claras: - Vamos lá, pessoal. Uma carteira atrás da outra, bem enfileirada. Isso mesmo. Você aí, Henrique, não ouviu? Já escutou talar em "ordem unida?" E isso aí, todas enfileiradas, direitinho. Comigo não existe isso de carteiras bagunçadas, esparramadas de qualquer maneira pela sala. Muito bem, agora tratem de deixar sobre a carteira todo material que precisam usar em aula, mas somente o material que vai ser usado. Sem excesso e sem falta. Portanto, canetas de três cores diferentes, lápis, régua, borracha, caderno, livro. Beleza, pessoal. A aula não pode começar se as carteiras não estão organizadas. Cada coisa em seu lugar; estejam atentos porque vou percorrer carteiras, uma a uma, e fiscalizar tudo.
- Bem, turma. Agora que a classe já não mais está em bagunça e agora que as carteiras estão arrumadas como devem ser arrumadas. prestem atenção, a aula vai começar. Vou dividir a matéria em partes e explicar cada uma delas. Ouçam, pensem, reflitam e perguntem, pois assim que vocês terminarem de perguntar será a minha vez de interrogá-los, e ai dos que não souberem. Acertar não vale nota porque é obrigação de todo estudante, mas errar é prova de falta de atenção e para cada erro eu tiro um ponto.
Se perder mais de três em uma aula só, exijo a presença do pai ou da mãe para me ajudar na educação. Não quero choradeira no final do ano. Fui claro?
Claríssimo. Não poderia ser maior a transparência dos recados. Tudo pronto para a aula começar...
Era assim que se pensava "aula" há trinta anos atrás. O professor era o centro do processo de ensino e o aluno apenas um receptor de saberes que, aula a aula, ia acumulando. Quem não acumulava o suficiente poderia ser corrigido com um castigo ou uma reprovação. Pena que ainda existam aulas ministradas dessa forma. Há trinta anos não havia o celular, os
computadores não eram o que hoje são e uma simples viagem de São Paulo a Ubatuba não demorava menos que seis horas. Nesses trinta anos o mundo mudou, a medicina evoluiu, a tecnologia avançou, os transportes se aceleraram. Mas ainda existem aulas em que o professor é  o centro do processo de aprendizagem. Nem todos os dinossauros foram extintos2.
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O vocábulo “dinossauro” não abriga qualquer intenção pejorativa. Refere-se a professores de “outros tempos” que, na escola atual, insistem na prática de procedimentos comuns em uma instituição que já não mais pode existir.










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