terça-feira, 7 de abril de 2015


NÃO DESPERTEMOS O LEITOR

Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
"A vida é um fardo" - isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: "disse Bias". Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, deviam ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com idéias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista:
"O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!"
O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.
(QUINTANA, Mário. Prosa& Verso. 6. ed. São Paulo: Globo, 1989, p. 87)




 Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 4:
ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS
Naqueles tempos, a vida em São Paulo era tranqüila. Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados, circulando pelas ruas da cidade; grossos tubos, situados nas laterais externas dos carros, desprendiam, em violentas explosões, gases e fumaça escura. Estridentes fonfons de buzinas, assustando os distraídos, abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas desabaladas carreiras, infringiam as regras de trânsito, muitas vezes chegando ao abuso de alcançar mais de 20 quilômetros à hora, velocidade permitida somente nas estradas. Fora esse detalhe, o do trânsito, a cidade crescia mansamente. Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli” – arranha-céu pioneiro em São Paulo, se não me engano do Brasil – fora ainda construído. Não existia rádio, e televisão, nem em sonhos. Não se curtia som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e manivela. Havia tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava depressa. Não se abreviavam com siglas os nomes completos das pessoas e das coisas em geral. Para que isso? Por que o uso de siglas? Podia-se dizer e ler tranqüilamente tudo, por mais longo que fosse o nome por extenso – sem criar equívocos – e ainda sobrava tempo para ênfase, se necessário fosse.
Os divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa, eram poucos. Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros; as mais mínimas coisas, os menores acontecimentos, tomavam corpo, adquiriam enorme importância. Nossa vida simples era rica, alegre e sadia. A imaginação voando solta, transformando tudo em festa, nenhuma barreira a impedir meus sonhos, o riso aberto e franco. Os divertimentos, como já disse, eram poucos, porém suficientes para encher o nosso mundo.
GATTAI, Zélia. Anarquistas graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 23.
1.   No relato de memória extraído do livro Anarquista graças a Deus, a autora faz algumas comparações entre o passado e o presente. Dos trechos transcritos a seguir, assinale o que não está fazendo uma comparação entre passado e presente:
a)  (      ) “Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados”.
b)  (      ) “Não se curtia som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e manivela.”
c)  (      ) “Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros”.
d)  (      )  “Havia tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava com pressa.”
2.   Para que o leitor construa uma imagem do passado rememorado pela autora, ela usa termos que qualificam e caracterizam algumas passagens de suas memórias. Assinale a alternativa em que os termos destacados não são caracterizadores:
a)  (      ) “Nossa vida simples era rica, alegre e sadia.”
b)  (      ) “o riso aberto e franco
c)  (      ) “abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas desabaladas carreiras”
d)  (      ) “Havia tempo para tudo, ninguém se afobava
3.   Assinale o trecho no qual a presença da voz do narrador, interrompendo o relato, expressa um recurso de interação entre autor e leitor:
a)  (      )   “Não havia surgido a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli”.
b)  (      )   “Para que isso? Para que o uso de siglas?”
c)  (      )   “Os divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa, eram poucos.”
d)  (      )   “Nossa vida simples era rica, alegre e sadia.”
4.   Assinale a alternativa que expressa as marcas temporais que identificam um passado distante:
a)  (     ) “Havia tempo para tudo” e “Não havia surgido ainda”;
b)  (     ) “ninguém se afobava” e “sobrava tempo para ênfase”;
c)  (     ) “Fora esse detalhe” e “ainda sobrava tempo para ênfase”;
d)  (     ) “Naqueles tempos” e “daqueles idos”.
       Leia o texto a seguir para responder às questões de 5 a 12:

Nenhum comentário:

Postar um comentário