segunda-feira, 7 de abril de 2014


Uma Habilidade Social
Autor: Alberto J. Grimm 
Num Mundo de Contradições, será que podemos ser Diferentes?

Parece que os elogios se transformaram no bem mais desejado pelo homem...
Os elogios era uma forma das mais eficazes para aproximar pessoas, especialmente quando o tamanho dessa aproximação, dependia da qualidade do agrado, quer dizer, da qualidade do elogio. Assim, elogiar a aparência da outra pessoa já era um bom começo, era por assim dizer, a regra básica geral. Depois, o visitante poderia incrementar um pouco enfatizando as qualidades profissionais, ou habilidades pessoais, do anfitrião. Deveria apenas ter o cuidado de, ao fazer isso, deixar bem claro que tais habilidades eram incomparáveis, superiores, quando confrontadas ao resto da humanidade.

Para o elogio ter o efeito desejado, o importante era salientar que as qualidades do elogiado eram únicas. Durante a conversa, deixar a impressão de que ficara impressionado com a intelectualidade do visitado, e que aprendera muito naquele dia, mesmo que o assunto fosse dos mais banais e medíocres. Este era um dos mais cobiçados elogios indiretos, e por ser indireto, mexia profundamente com a autoestima do anfitrião. Elogiar virtudes também tinha uma alta pontuação, mas havia um elogio que era imbatível, e este era elogiar os filhos daqueles a quem se desejava agradar.

Pais sensatos, sensato do ponto de vista dos pais, só faltavam colocar os filhos em vitrines, de modo que todos os visitantes pudessem vê-los, e claro, elogiá-los. Ora, de que adiantaria exibir os filhos em verdadeiros palcos montados só para isso, se não fossem os esperados elogios. Eram tão desejados e aguardados, a ponto de fingirem para os presentes, que havia uma grande harmonia e entendimento entre todos residentes da casa. A razão desse comportamento, ela, por ser ainda muito jovem, não compreendia bem. Mas, já sabia que seus pais ficavam extasiados, realizados, como se os elogios, de alguma forma fossem dirigidos a eles próprios.

Lembrou da visita de outro casal, quando, sem que seus pais esperassem, foram logo dizendo: “Nossa, que menina linda”; e voltando-se para o marido, a mulher disparou sem piedade: “Ô Fulano, você não percebe claramente nela, todos os aspectos das crianças índigo?” [2]

Como se seus pais não compreendessem bem sobre o que falavam, ela explicou: “Tais crianças, são consideradas os seres da nova era. São mais inteligentes, mais tudo. Dizem ainda que marcarão uma nova geração de homens e mulheres. Tais indivíduos serão responsáveis pela criação de uma nova e superior raça, que habitará uma terra, onde o ser justo é o padrão”.

Ao que seu marido, com a cara mais dissimulada do mundo, se esgueirando para ouvir os detalhes de uma notícia na televisão, completou: “Sem dúvida, ela é um deles”. Aquilo foi demais. Quase que seus pais não os deixam ir embora. Se o sentimento de vaidade fosse uma droga, naquele dia, eles receberam uma overdose.

E aquele casal foi assunto de vários dias. Receberam muitos e grandes elogios, até que seus pais descobriram que eles haviam dito a mesma coisa, com a filha do vizinho. Mas agora era diferente, pois o visitante era um padre e uma freira, ambos pertencentes a uma ordem chamada de, os Vigários Justos; ao menos era o que diziam ser. Estavam em visita às casas daquela rua, apenas como uma forma de fazerem uma pré-apresentação, do novo pároco da igreja local.

Os dois eram na verdade, uma espécie de comitê de apresentações, aqueles que preparavam o terreno para a entrada triunfal do vigário de fato. Este acabou chegando poucos minutos depois. Os quase quarenta graus que fazia à sombra, não era um argumento suficientemente capaz de fazê-los abrir mão das grossas mantas que vestiam, e de dentro das quais emergiam como verdadeiros seres espaciais.

Ele olhou tudo em volta, e depois de ter a mão beijada pela sua mãe, sentou em posição de destaque, no pequeno círculo improvisado que se formara na sala. Lamentou-se do estado da paróquia o tempo todo, mas só conseguiu uma doação quando comentou: “Vejo que são um casal ímpar aqui no bairro. Não comentem com outros, mas não encontrei ninguém que se compare a vocês, especialmente em qualidade moral, justeza e bom senso. Este fica sendo um segredo apenas nosso.”

Embora isso já bastasse para conseguir com folga a doação que era o verdadeiro motivo da visita, num golpe de misericórdia, para se assegurar de que não haveria desistência quanto à doação, ele se virou para ela e disse: “Essa garota é um ser abençoado, que conseguirá atingir todos os seus objetivos materiais e espirituais nessa vida. Vê-se pelo rosto o quanto é inteligente, além de bela”. Pronto, aquilo foi demais, conseguiu mais do que esperava, apenas com o acréscimo desse providencial realce.

Não é preciso imaginar a cara dos seus pais, ao descobrirem, conversando com o vizinho, que o vigário repetira a mesma coisa também na casa dele. Ao que seu pai acrescentou inconsolável: “Eu sei que mentir é uma habilidade social, e todos precisam mentir para que haja compreensão e entendimento entre as pessoas. Mas, quando uma mentira é um elogio, a coisa deveria ser personalizada, é mais uma questão de respeito. Imagine se digo que seu filho é inteligente, e que é o melhor em matemática. Ao dizer a mesma coisa sobre o filho de outro, posso até repetir que ele é igualmente inteligente, mas devo ter o cuidado de dizer que ele é o melhor em outra matéria, pelo menos isso. Um elogio deve ser único, ou não é elogio”. E o vizinho: “Concordo”.

Horrorizada com tanta dissimulação, ela prometeu a si mesma, nunca mais mentir, uma mentirinha sequer que fosse. Assim, já no dia seguinte, ao chegar à escola para mais um dia de aula, estava determinada a cumprir aquela resolução a todo custo. E logo na entrada, ouviu sua professora comentar para a menina mais rica da classe: “Linda a sua bolsa nova...”. Ao que a menina lhe sorriu transbordando de contentamento, feliz por constatar que sua bolsa de grife havia sido notada.

Mas ela não deixou de graça e retribuiu num sorriso: “Meu pai disse que a senhora é a melhor professora que já tive”. Pronto, estava com a possibilidade de revisão de todas as provas do semestre assegurada. Ela então percebeu o quanto seria difícil sua tarefa: viver num mundo de dissimulados e lutar contra todos. Seria que valia a pena, será que conseguiria?

Achava aquela garota arrogante, dissimulada, com um verdadeiro rei na barriga, e por isso mesmo, apenas eventualmente a cumprimentava. Definitivamente, não pertencia ao seu grupo de interesses, ou achava que não. Observara a tudo aquilo horrorizada, e se questionava como nunca fora capaz de dar-se contar do fato, apesar de tudo acontecer bem debaixo do seu queixo, o tempo todo. Então, como se a vida das pessoas fosse um calvário de testes permanentes, a garota metida, virou-se de sua carteira e lhe sorriu.

 

Em seguida, baixou a cabeça, e retirou de dentro de um pacote que estava sobre o colo, um pequeno embrulho. Levantou-se com ares de uma “entidade” superior e se dirigiu até ela. E sem que ela fosse capaz de compreender o que estava acontecendo, esticou o braço e disse: “Tome, me lembrei de você quando fui às compras ontem”.

Era a lapiseira dourada que a fazia sonhar quando passava diante da vitrine, onde estava à mostra. O que fazer num momento como esse senão aceitar? Mas a garota metida foi mais longe, e lhe cochichou: “Nunca lhe disse pessoalmente, mas acho você a pessoa mais autêntica dessa sala, e também a mais inteligente.”

Pronto, aquilo foi demais, para que ela pudesse suportar em silêncio, precisava dizer alguma coisa, era até uma questão de bom senso, de educação, por assim dizer.

Então, embora não compreendesse porque dizia aquilo, já que a coisa toda mais parecia um reflexo mecânico incondicionado, algo como a reação de palmada à picada de um inseto, ela respondeu num sussurro: “Nossa, é a lapiseira que sempre desejei. Você é uma pessoa maravilhosa fulana. Também nunca lhe disse, mas admiro você demais. Muito obrigada de coração...”

Só então ela se deu conta do que acontecera ali, e talvez fosse hora de rever a resolução que tomara pela manhã. Não que a estivesse abandonando, mas, talvez fosse o caso de não ser tão inflexível. Talvez a coisa, com o tempo, aos poucos, fosse acontecendo naturalmente. Sorriu contente por concordar consigo mesma.

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