terça-feira, 22 de agosto de 2017

TEXTOS SOBRE PERSONAGENS DO FOLCLORE -

 QUESTÕES OBJETIVAS - COM GABARITO

TEXTO I
         Você sabe dizer de que maneira os seres fantásticos, como o lobisomem e a mula sem cabeça, "chegaram" ao Brasil? Após pensar sobre isso, leia o texto a seguir e confirme (ou não) sua hipótese.

 SERES ENCANTADOS QUE DESEMBARCARAM NO BRASIL

        Quando eu era criança, alguém sempre contava histórias de lobisomem e mula sem cabeça. Hoje, quase não se fala mais nesses seres que habitam o reino da fantasia. Mas eu ainda conheço um bocado de gente que acredita neles e jura de pés juntos que já os viram. 
       Depois que eu deixei de ser criança – e isso já faz muito tempo –, resolvi pesquisar sobre essas histórias para saber como foi que elas surgiram aqui no Brasil. Vocês podem não acreditar, mas tanto o lobisomem quanto a mula sem cabeça vieram para este país nas caravelas portuguesas. Verdade! Só não se sabe ao certo se elas vieram em 1500, com Pedro Álvares Cabral, ou se foram chegando depois, em outras caravelas enviadas pelo rei de Portugal.
        Não pensem que enlouqueci imaginando um lobisomem e uma mula sem cabeça de malas prontas, acenando no cais com um lencinho. Esses seres vieram em uma bagagem que a gente chama de cultural. Vejam só: por volta do século 15, quando os portugueses começaram suas viagens em busca de novas terras para explorar riquezas, eles levavam um bocado de coisas em suas embarcações. Afinal, as viagens eram longas e eles precisavam estar preparados para passar muito tempo no mar. 
      Claro que nenhum lobisomem ou mula sem cabeça foi visto circulando entre os tripulantes das caravelas, mas, com toda certeza, eles estavam lá. Calma, não se trata de uma história de terror. Quero dizer que toda vez que vamos a algum lugar e encontramos pessoas diferentes, a gente conversa, troca informações, ensina e aprende coisas. Quando fazemos isso, acabamos adquirindo hábitos e costumes de outras pessoas. Logo, isso aconteceu com os portugueses, quando eles resolveram viajar. Além de objetos pessoais, ferramentas, instrumentos de navegação e  alimentos, eles levavam na bagagem tudo o que conheciam e acreditavam. E foi assim que a mula sem cabeça e o lobisomem chegaram ao Brasil – na bagagem cultural, que é formada, como já vimos, pelo conjunto de coisas que a gente sabe, que a gente ensina e que aprende.

 ABRINDO A BAGAGEM 

         Em Portugal, há 500 anos, um monte de gente acreditava em lobisomem e em mula sem cabeça e parte dessa gente veio para o Brasil. Aqui, os portugueses começaram a contar histórias de sua terra e, de sua bagagem cultural, tiraram também outros seres fantásticos, como sereias, sacis, velhos do saco, bruxas, fadas, bicho- -papão, papa-figos e muitos mais, que, aqui, assustaram e, ao mesmo tempo, embalaram o sono de muitas crianças. 
      Os negros, trazidos da África pelos portugueses, para serem escravos, além de muita tristeza e saudades de sua terra natal, trouxeram, também, inúmeras histórias. Aliás, como eles foram capturados e obrigados a deixarem sua terra, não tiveram condições de arrumar seus pertences para a viagem. Mas ninguém pôde proibi-los de trazer suas crenças, suas histórias, seus hábitos e seus costumes, ou seja, a tal bagagem cultural. 
      Na imaginação dos viajantes, livres e escravizados, veio toda sorte de crenças, mitos e lendas que aqui, em solo fértil, brotou e proliferou por todo o território. Com os portugueses, vieram lobisomens, mulas sem cabeça e outros. Com os africanos vieram quibungo, chibamba e as histórias de animais. 
        Aí, você pode perguntar: e as histórias dos índios que já estavam aqui? Eu diria que os lobisomens e os quibungos encontraram-se com mapinguaris, caiporas, curupiras e passaram a conviver em harmonia nas florestas e na imaginação dos brasileiros que iam nascendo, neste novo território, da mistura de europeus, africanos e índios. (...)

 JURANDO DE PÉS JUNTOS

       Como eu disse no início dessa conversa, tem muita gente que acreditava nesses seres encantados. Nas grandes cidades, nem tanto, mas, no interior do Brasil, ainda se contam muitas histórias de lobisomem. 
    Dizem que numa família de sete filhos homens, o caçula pode virar lobisomem, se não for batizado pelo irmão mais velho. E tem mais: na hora em que vira lobisomem, tem que correr sete fontes, sete cemitérios e sete igrejas. Só depois dessa maratona é que ele volta à forma humana. Dizem, ainda, que os lobisomens atacam o gado, as galinhas e as pessoas, tudo em busca de sangue. Para matá-lo é preciso atirar com uma bala de prata.
       Quanto à mula sem cabeça, a história da transformação é bem diferente. 
Reza a lenda que qualquer mulher que namorar um padre pode virar mula sem cabeça, porque namorar padre é pecado. Agora, veja como essa história é injusta: o padre não pode ter namorada, mas, se tiver, só a mulher é castigada. A pobre coitada vira uma mula que solta fogo pelas ventas e nunca mais desvira. Com o padre, não acontece nada. 
     Essa história de mula sem cabeça veio da Península Ibérica, parte da Europa que hoje está dividida entre Portugal e Espanha. Provavelmente, surgiu porque, no século 12, as mulas eram os animais mais próximos dos padres, que se locomoviam de um lugar para outro montados nesses animais, considerados seguros e resistentes. 
       Além dessa história de ser namorada do padre, já ouvi dizer, também, que se uma mãe tem sete filhas mulheres e não der a mais nova para a mais velha batizar, a caçula vira mula sem cabeça, igualzinho ao caso do lobisomem.

 PONTO FINAL

      Acho que é mais ou menos isso que eu queria contar pra vocês. É claro que tem muito mais coisas para descobrirmos sobre a cultura brasileira. Caso vocês se interessem pelo assunto, vou dar uma dica: comecem lendo os livros de Luís Câmara Cascudo, que foi um grande estudioso de nossa cultura. (...)

              Georgina da Costa Martins. In.: Ciência Hoje das Crianças,
                      ano 13, n. 106. Rio de Janeiro: SBPC, setembro/2000.
A partir da leitura atenta do Texto I, realize as questões propostas.

1ª QUESTÃO: Assinale a opção que está em desacordo com as informações do Texto I:
       A – ( ) Atualmente, ainda existem pessoas que declaram acreditar em mula sem cabeça e lobisomem.
       B – ( ) Alguns mitos folclóricos brasileiros fazem parte da bagagem cultural portuguesa.
       C – ( ) A cultura brasileira também possui influência e contribuição africana.
       D – ( ) O povo indígena criou personagens tais como caiporas e curupiras.
       E – (X) As histórias indígenas, africanas e portuguesas nunca se fundiram nem conviveram pacificamente no imaginário popular e no território brasileiro.
2ª QUESTÃO: "... veio toda sorte de crenças, mitos e lendas que aqui, em solo fértil, brotou e proliferou por todo o território." O vocábulo proliferou, neste contexto, só não significa:
       A – ( ) reproduziu.
       B – ( ) multiplicou.
       C – ( ) expandiu.
       D – (X) reduziu.
       E – ( ) aumentou.
3ª QUESTÃO: "... qualquer mulher que namorar um padre / pode virar mula sem cabeça..."  As orações acima estabelecem entre si uma, respectivamente, relação de:
       A – ( ) fato/causa.
       B – (X) fato/consequência.
       C – ( ) fato/finalidade.
       D – ( ) problema/solução.
       E – ( ) fato/condição.
4ª QUESTÃO: No ponto de vista da pessoa que narra o Texto I, a história da mula sem cabeça, na versão de uma mulher que namora um padre, tem um desfecho:
       A – ( ) coerente.
       B – ( ) satisfatório.
       C – (X) injusto.
       D – ( ) aceitável.
       E – ( ) perfeito.
5ª QUESTÃO: Os trechos abaixo deixam explícito o contato do narrador com o leitor, exceto:
       A – ( ) "Vocês podem não acreditar, mas..." 
       B – ( ) "Não pensem que enlouqueci..." 
       C – ( ) "Vejam só: por volta do século 15..." 
       D – ( ) "Aí, você pode perguntar..." 
       E – (X) "Essa história de mula sem cabeça veio da Península Ibérica..." 
6ª QUESTÃO: Marque a análise equivocada sobre o Texto I:
       A – ( ) Possui narrador-personagem, isto é, tem foco narrativo interno.
       B – ( ) Em "...eles levavam um bocado de coisas..." , há o emprego de linguagem informal, coloquial.
       C – (X) "Provavelmente, surgiu porque, no século 12..." . O vocábulo grifado registra certeza no narrador.
       D – ( ) "Reza a lenda que qualquer mulher..." . É adequada a substituição da palavra grifada por diz, relata, conta.
       E – ( ) "Afinal, as viagens eram longas..."  Neste trecho, vê-se o emprego de uma palavra denotativa de situação.
TEXTO II

        Dentro de nós, há um mundo a ser "explorado", libertado: o mundo da imaginação. Ele serve de morada para toda espécie de seres. O texto que você lerá fala de um deles.

 O LOBISOMEM

        O lobisomem é um ser fantástico e assustador que, como o nome indica, é meio lobo, meio homem. Durante os dias de semana, é um homem comum, magro, alto, de pele macilenta, com um olhar melancólico. Normalmente, é afável e calmo, mas de uma hora para outra pode tornar-se irritadiço. De vez em quando, dá longos suspiros, como se fossem uivos silenciosos. E, às sextas-feiras, precisamente à meia noite, esse homem se transforma. Adquire característica de lobo: as orelhas crescem, surgem pelos espessos no rosto e no corpo, a boca se escancara mostrando dentes afiados. As mãos mais parecem patas ou garras. Torna-se, então, perigoso para os outros animais, sobretudo para o homem. 
      É difícil saber de onde o lobisomem é originário. O maior estudioso dos seres fantásticos do Brasil, o folclorista Câmara Cascudo, afirma que se trata de um bicho universal, encontrável em todos os países. E, em cada um, ele recebe um nome diferente: licantropo (na Grécia), versiopélio (em Roma), volkdlack (nos países eslavos), obototen (na Rússia), hamramr (nos países nórdicos), loup-garou (na França) ... Os nossos caboclos dizem "lobisome" e têm muito medo dele. 
     Sexta-feira, da meia-noite às duas da manhã, o lobisomem sai numa corrida barulhenta e atropelada para percorrer ou sete cemitérios, ou sete outeiros, ou sete encruzilhadas, ou sete vilas. Nas vilas, sítios e fazendas por onde passa, os moradores rezam e atiçam os cães para persegui-lo, para afugentá-lo. Perto das casas, plantam arruda e alecrim. Percorridos os sete lugares, ele retorna ao local de partida – onde há uma umburana, árvore frondosa na qual esconde sua roupa – e volta à forma humana. 

Samir Meserani. Os incríveis seres fantásticos. São Paulo, FTD, 1993.

 Vocabulário: • macilenta: pálida
                     • outeiros: colinas 

A partir da leitura atenta do Texto II, faça o que é proposto.
7ª QUESTÃO: O lobisomem é meio lobo, meio homem. 
O vocábulo meio pode desempenhar diferentes classes gramaticais. Assinale a opção cujo vocábulo grifado é um substantivo:
       A – ( ) O lobisomem tornou-se meio assustador.
       B – ( ) Meio quilômetro à frente, a fera voltou à forma humana.
       C – (X) Os fazendeiros encontraram um meio de afugentar o lobisomem.
       D – ( ) A transformação nunca ocorre quando é meio-dia.
       E – ( ) Quando vir um homem meio estranho, poder ser um lobisomem.
TEXTO III - OS LICANTROPOS

         Surgiram alguns licantropos na cidade e a população corria deles. Não corria tanto assim, pois os licantropos só apareciam noite alta. E sempre nas sextas-feiras. De qualquer modo, notívagos eram surpreendidos pelos licantropos, e não sentiam o menor prazer no encontro. O resto da população, tentando dormir em seus quartos, simplesmente sentia medo. 
      O sábio professor Epaminondas Barzinsky debateu o assunto na Academia de Ciências Sobrenaturais, advertindo que primeiro se devia apurar se se tratava de licantropos propriamente ditos, ou de pessoas afetadas de licantropia. Propôs que se nomeasse a comissão para investigar este ponto. Se ficasse comprovado que os licantropos eram da primeira espécie, levaria o estudo às últimas consequências. 
          Ninguém quis fazer parte da comissão e o próprio Barzynski pôs-se em campo, no interesse da ciência. Uma semana depois, voltou à sede social, requerendo reunião extraordinária para a meia-noite da próxima sexta-feira. Combinado. Ao entrarem na sala à hora aprazada, seus colegas viram que um licantropo ocupava a tribuna de conferências. Saíram apressadamente e nunca mais a Academia se reuniu nem Barzinsky foi visto.

Carlos Drumond de Andrade. Contos plausíveis. Rio de Janeiro, José Olympio, 1985.

Vocabulário: • licantropo: lobisomem
                 • notívagos: pessoas que apreciam a vida noturna

 A partir da leitura atenta do Texto III, faça o que é pedido.
8ª QUESTÃO: O último parágrafo do conto "Os licantropos" deixa subentendida a ideia de que:
       A – ( ) o professor Epaminondas concluiu que licantropos não existiam.
       B – (X) Barzinsky transformou-se em um licantropo.
       C – ( ) todos os membros da Academia de Ciências Sobrenaturais foram vítimas do ataque de um licantropo.
       D – ( ) o professor Barzinsky deveria fazer novas investigações em campo.
       E – ( ) o horário e dia da reunião extraordinária agendada pelo professor Barzinsky não foram aceitos pelos outros homens da Academia de Ciências Sobrenaturais.
9ª QUESTÃO: Assinale a opção cujo vocábulo destacado não é acentuado pela mesma regra de acentuação dos demais:
       A – (X) "...notívagos eram surpreendidos..." 
       B – ( ) "O sábio professor Epaminondas Barzinsky debateu..." 
       C – ( ) "...os licantropos eram da primeira espécie..." 
       D – ( ) "...requerendo reunião extraordinária..." 
       E – ( ) "...ocupava a tribuna de conferências.


TEXTO IV- FOLCLORE

        Você já viu que o lobisomem é um ser pertencente ao nosso folclore. Mas, afinal, o que exatamente é o folclore? Leia um texto que fala um pouco sobre isso.

          "...é tudo o que a gente faz, sabe, diz, canta, expressa de alguma forma sem precisar aprender, ouvindo falar, vendo fazer, sabendo porque todo mundo sabe. (...) 
       Quem nunca ouviu falar em comida típica ou em música regional? Se você parar para lembrar, vai ver, por exemplo: churrasco, carne-seca com abóbora, feijão de tropeiro, pato no tucupi, goiabada cascão... Tudo isso é comida típica. Ora, pipocas! Típica de quê? Do lugar onde é feita. E essa tipicidade teve origem na abundância da matéria-prima (o material de que é feita) ou na necessidade do pessoal daquele lugar, ou em alguma influência.
     
 A goiabada cascão é típica de Campos, no Rio de Janeiro, porque lá o clima e a terra são próprios para o cultivo da goiaba. Ora, as pessoas começaram a inventar coisas para fazer com a goiaba, além de comê-la como ela nasce. E todas fazendo isso, sempre e sempre, acabaram inventando outras coisas: umas fizeram doce, outras passaram a vendê-lo, outras a fabricá-lo industrialmente, outras a enfeitá-lo, outras fizeram músicas falando disso tudo e, de repente, falar em Campos é lembrar de goiabada cascão.
       Perceberam como é? É uma coisa que o homem vai aproveitando, e a coisa vai ficando típica, tradicional, regional, folclórica."

            Maria Helena Torres. In.: Ciências Hoje das Crianças, ano 5,
                           n 27. Rio de Janeiro, SBPC, abril-maio-junho/1992.

A partir da leitura do Texto IV, faça o que é proposto.
10ª QUESTÃO: Pode-se afirmar sobre o texto lido que:
       A – (X) uma comida torna-se típica quando ela é muito cultivada e preparada em determinado lugar.
       B – ( ) o folclore é aprendido em escolas e cursos.
       C – ( ) todas as regiões possuem os mesmos pratos típicos.
       D – ( ) em Campos, no Rio de Janeiro, todos os doces de goiaba são feitos artesanalmente.
       E – ( ) a única manifestação folclórica citada pela autora foi a comida típica.
TEXTO V - A LENDA DO SACI

        A curiosidade tem levado os homens de todos os tempos a indagar sobre as origens do Universo, dos seres, das coisas e sobre os fatos que não têm explicação lógica. Os cientistas estudam o mundo à procura de respostas objetivas a essas questões. As lendas constituem outra forma de responder a essas perguntas. Fruto da imaginação, elas não explicam cientificamente os seres e as coisas, mas contam uma história que fala de como teria surgido.

       Você já ouviu falar do Sítio do Picapau Amarelo, um lugar imaginado por Monteiro Lobato? O sítio é uma pequena fazenda onde moram Narizinho, Dona Benta, Pedrinho, Tia Nastácia, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa e Rabicó. Criadas por Monteiro Lobato, o primeiro escritor brasileiro a escrever para crianças, essas personagens vivem incríveis aventuras no sítio e falam de muitas tradições de nosso país. 
       O texto que você vai ler a seguir se refere a uma delas. Pedrinho, muitas vezes, tinha ouvido falar em saci e queria saber se ele realmente existia. Foi então perguntar ao Tio Barnabé, um negro de mais de 80 anos e bom contador de histórias, que vivia perto de sua fazenda. 
    Tio Barnabé não apenas confirmou que o saci existia, mas também informou que existiam vários sacis. E contou muitas histórias sobre eles, as artes que essas criaturas fazem e até ensinou como se pega um saci. Pedrinho, então, armou um plano. Vamos conhecer o plano do garoto?

 PEDRINHO PEGA UM SACI

        Tão impressionado ficou Pedrinho com esta conversa que dali por diante só pensava em saci, e até começou a enxergar sacis por toda parte. Dona Benta caçoou, dizendo:
        — Cuidado! Já vi contar a história de um menino que de tanto pensar em saci acabou virando saci… 
      Pedrinho não fez caso da história e, um dia, enchendo-se de coragem, resolveu pegar um. Foi de novo em procura do tio Barnabé.
      — Estou resolvido a pegar um saci, disse ele, e quero que o senhor me ensine o melhor meio. 
        Tio Barnabé riu-se daquela valentia.
      — Gosto de ver um menino assim. Bem mostra que é neto do defunto sinhô velho, um homem que não tinha medo nem de mula sem cabeça. Há muitos jeitos de pegar saci, mas o melhor é o de peneira. Arranja-se uma peneira de cruzeta…
       — Peneira de cruzeta? – interrompeu o menino – Que é isso?
      — Nunca reparou que certas peneiras têm duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e servem para reforço? Olhe aqui. – e tio Barnabé mostrou ao menino uma das tais peneiras que estava ali num canto – Pois bem, arranja-se uma peneira destas e fica-se esperando um dia de vento bem forte, em que haja rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo o cuidado para o rodamoinho e zás! joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro, porque fazer rodamoinhos é justamente a principal ocupação dos sacis neste mundo.
        — E depois?
        — Depois, se a peneira foi bem atirada e o saci ficou preso, é só dar jeito de botar ele dentro de uma garrafa e arrolhar muito bem. Não esquecer de riscar uma cruzinha na rolha, porque o que prende o saci na garrafa não é a rolha e sim a cruzinha riscada nela. É preciso ainda tomar a carapucinha dele e a esconder bem escondida. Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo. Eu já tive um saci na garrafa, que me prestava muitos bons serviços. Mas veio aqui um dia aquela mulatinha sapeca que mora na casa do compadre Bastião e tanto lidou com a garrafa que a quebrou. O perneta pulou em cima da sua carapuça, que estava ali naquele prego, e "Até logo, tio Barnabé!" 
      Depois de tudo ouvir com a maior atenção, Pedrinho voltou para casa decidido a pegar um saci, custasse o que custasse. Contou o seu projeto a Narizinho e longamente discutiu com ela sobre o que faria no caso de escravizar um daqueles seres terríveis. Depois de arranjar uma boa peneira de cruzeta, ficou à espera do dia de S. Bartolomeu, que é o mais ventoso do ano. 
       Custou a chegar esse dia, tal era sua impaciência, mas afinal chegou e, desde muito cedo, Pedrinho foi postar-se no terreiro, de peneira em punho, à espera de rodamoinhos. Não esperou muito tempo. Um forte rodamoinho formou-se no pasto e veio caminhando para o terreiro.
        — É hora! – disse Narizinho – Aquele que vem vindo está com muito jeito de ter saci dentro. 
     Pedrinho foi se aproximando pé ante pé e, de repente, zás! Jogou a peneira em cima.
        — Peguei! – gritou no auge da emoção, debruçando-se com todo o peso do corpo sobre a peneira emborcada – Peguei o saci! … A obra de Monteiro Lobato já divertiu muitas gerações de crianças. Na foto, alguns dos atores que vivem as personagens da nova adaptação do Sítio do Piaca pau Amarelo para a televisão.
       A menina correu a ajudá-lo.
      — Peguei o saci! – repetiu o menino vitoriosamente – Corra, Narizinho, e traga-me aquela garrafa escura que deixei na varanda. Depressa! 
       A menina foi num pé e voltou noutro.
    — Enfie a garrafa dentro da peneira – ordenou Pedrinho – enquanto eu cerco dos lados. Assim! Isso! … 
     A menina fez como ele mandava e, com muito jeito, a garrafa foi introduzida dentro da peneira.
     — Agora tire do meu bolso a rolha que tem uma cruz riscada em cima. – continuou Pedrinho – Essa mesma. Dê cá. 
      Pela informação do tio Barnabé, logo que a gente põe a garrafa dentro da peneira, o saci por si mesmo entra dentro dela, porque, tem a tendência de procurar sempre o lugar mais escuro. De modo que Pedrinho o mais que tinha a fazer era arrolhar a garrafa e erguer a peneira. Assim fez, e foi com o ar de vitória de quem houvesse conquistado um império que levantou no ar a garrafa para examiná-la contra a luz. 
       Mas a garrafa estava tão vazia como antes. Nem sombra do saci dentro…
     A menina deu-lhe uma vaia e Pedrinho, muito desapontado, foi contar o caso ao tio Barnabé.
      — É assim mesmo. – explicou o negro velho – Saci na garrafa é invisível. A gente só sabe que ele está lá dentro quando a gente fica sonolento. Num dia bem quente, quando os olhos da gente começam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que fica perfeitamente visível. É desse momento em diante que a gente faz dele o que quer. Guarde a garrafa bem fechada, que garanto que o saci está dentro dela. 
      Pedrinho voltou para casa orgulhosíssimo com a sua façanha.
    — O saci está aqui dentro, sim. – disse ele a Narizinho – Mas está invisível, como me explicou tio Barnabé. 
     Quem não gostou da brincadeira foi a pobre tia Nastácia. Como tinha um medo horrível de tudo quanto era mistério, nunca mais chegou nem na porta do quarto de Pedrinho.
     — Deus me livre de entrar num quarto onde há garrafa com saci dentro! Credo! Nem sei como dona Benta consente semelhante coisa em sua casa. Não parece ato de cristão…

                                       (Monteiro Lobato. Viagem ao Céu e O saci.
                                               São Paulo: Brasiliense, s.d. p. 191-5.).

A partir da leitura do Texto V, faça o que é proposto.

11ª QUESTÃO: De acordo com as instruções dadas por tio Barnabé, para Pedrinho ou qualquer pessoa conseguir pegar um saci, só não seria necessário:
       A – ( ) peneira de cruzeta.
       B – ( ) ser um dia de vento forte com rodamoinho.
       C – ( ) uma garrafa escura.
       D – (X) uma pessoa para ajudar.
       E – ( ) uma rolha com uma cruz desenhada nela para tampar a garrafa.
12ª QUESTÃO: Observe os trechos a seguir:
I – "...que me prestava muitos bons serviços." 
II – "...e, desde muito cedo, Pedrinho foi postar-se..." 
III – "Não esperou muito tempo." 
IV – "...com muito jeito, a garrafa foi introduzida..." 
V – "...Pedrinho, muito desapontado, foi..."

 Pode-se declarar que a classe gramatical de muito é advérbio:
       A – ( ) em todos os trechos.
       B – (X) somente nos trechos II e V.
       C – ( ) apenas no trecho IV.
       D – ( ) somente no trecho II.
       E – ( ) apenas nos trechos III e I.
13ª QUESTÃO: Monteiro Lobato, o autor do texto, viveu há muito tempo, entre 1882 e 1984. Por essa razão, muitas palavras e expressões que ele utilizou em suas histórias não são conhecidas pelas crianças de hoje. Apesar disso, é possível compreender o sentido delas no contexto em que foram empregadas. 

Identifique a opção cuja expressão ou palavra grifada foi substituída inadequadamente pelo que aparece entre parênteses:
       A – ( ) "...Pedrinho não fez caso da história e, a..." (não se importou com a)
       B – ( ) "...que o senhor me ensine o melhor meio."  (modo)
       C – ( ) "...e tanto lidou com a garrafa que a quebrou..." (manuseou)
       D – ( ) "A menina foi num pé e voltou noutro."  (foi e voltou rapidamente)
       E – (X) "...o mais que tinha a fazer era arrolhar a garrafa..." (destampar).
14ª QUESTÃO: "Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo." 

 No trecho acima, há um conectivo de comparação. Ele só não quer dizer que saci sem carapuça é tão:
       A – (X) proveitoso quanto cachimbo sem fumo.
       B – ( ) inútil quanto cachimbo sem fumo.
       C – ( ) sem importância quanto cachimbo sem fumo.
       D – ( ) ineficaz quanto cachimbo sem fumo.
       E – ( ) irrelevante quanto cachimbo sem fumo.
15ª QUESTÃO: Quanto à caracterização dos personagens não se pode declarar que:
       A – ( ) Pedrinho – é destemido e corajoso.
       B – ( ) tio Barnabé – é minucioso e detalhista.
       C – ( ) Narizinho – é prestativa e eficiente.
       D – ( ) tia Nastácia – é supersticiosa e medrosa.
       E – (X) dona Benta – é intolerante e encorajadora.
TEXTO VI - O MONSTRO DO RIO NEGRO

   Há muitos homens no mundo
   que dizem terem lutado, 
   com lobisomens valentes
   que andam correndo fado
   e sempre, sempre nas lutas,
   vitórias têm alcançado.

  Outros... dizem com certeza
  que têm lutado também, 
  com muitas "burras de padre"
  e têm saído bem
  porém isto são bichinhos, 
  que não espantam ninguém.

  Eu quisera ouvir um homem
  dizer-me que resistiu,
  ao Monstro do Rio Negro 
  e triunfado saiu 
  para eu lhe dizer na cara: 
  você desta vez mentiu.

  Porque o monstro em que falo 
  no mundo ainda não nasceu,
  vivente que resistisse 
  à força  do corpo seu 
  e quem com ele agarrar-se, 
  pode jurar que perdeu.

  O monstro do Rio Negro
  o seu pai foi um pajé, 
  que viveu no Rio Negro
  regendo a tribo Maué 
  o Brasil ainda não era, 
  uma nação como é.

  Seu corpo tem com certeza
  dez metros de comprimento
  a barriga é encarnada
  e o lombo é pardacento
  e tem quatro asas negras
  pra voar qualquer momento. 

  Essas asas são de couro
  porém de um couro tão forte, 
  que não há dentes de bicho 
  que possam fazer-lhe corte 
  e não há ponta de aço, 
  que nelas não se entorte. 

  Tem uma força assombrosa 
  capaz de erguer o mundo, 
  a fera que ele agarrar perde
  a vida num segundo
  que seja em cima da terra, 
  ou dentro do mar profundo.

  Pois tem cem palmos 
  ou mais a sua circunferência,
  o seu casco tem um metro 
  de grossura; e a consistência
  é de bronze; e já por isto,
  ninguém lhe põe resistência. 

  Tem um lodo em todo corpo
  e o bicho que mordê-lo, 
  a língua fica queimada redonda 
  como um novelo
  e os dentes se desmancham,
  já como bolas de gelo.

  Seus chifres são do tamanho
  dos chifres dum boi de carro, 
  duros como diamante 
  e sujos da cor de barro 
  as unhas são como os chifres, 
  dum veado ou dum chibarro.

  Tem quatro unhas maiores 
  – em cada pé possui uma,
  cujas unhas são de rosca 
  da forma de uma verruma 
  e o bicho que ele perfurar
  com elas: não se apruma.

  Pois as unhas onde ferem
  aparece de repente, 
  e gangrena com o tétano
  portanto não há vivente 
  que possa ganhar vitória, 
  com esse monstro valente.

  Seus olhos são como brasas
  tendo o tamanho dum tacho
  fitando para o vivente
  o vivente vai-se abaixo
  com uma légua ele atrai, 
 qualquer bicho fêmea, ou macho. (...)

        José Camelo de Melo Resende. In: Manoel Cavalcanti Proença (org.). Literatura popular em verso. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp/Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986. PP.238-240.

Vocabulário:
• fado: destino
• encarnada: da cor da carne, vermelha
• chibarro: pequeno bode
• gangrena: morte e apodrecimento dos tecidos em qualquer parte do organismo.

A partir da leitura atenta do Texto VI, faça o que é proposto.
16ª QUESTÃO: Após analisar as estrofes do poema, marque a informação falsa:
       A – ( ) A quarta estrofe declara que o Monstro do Rio Negro é invencível.
       B – ( ) O monstro é também descrito fisicamente na sexta estrofe.
       C – ( ) Na segunda estrofe, de certa forma, o eu-lírico subestima a ferocidade das "burras de padre."
       D – (X) Há uma comparação, na décima primeira estrofe, entre o tamanho dos chifres do Monstro do Rio Negro e o do diamante.
       E – ( ) A oitava estrofe afirma que o Monstro do Rio Negro vence tanto animais terrestres quanto aquáticos.
17ª QUESTÃO: Assinale o verso em que o vocábulo UM desempenhe função gramatical de numeral:
       A – ( ) "Eu quisera ouvir um homem" 
       B – ( ) "o seu pai foi um pajé,"
       C – ( ) "porém de um couro tão forte," 
       D – (X) "o seu casco tem um metro" 
       E – ( ) "redonda como um novelo" 
18ª QUESTÃO: Identifique a relação estabelecida pelo conectivo destacado no verso abaixo:
 "pra voar qualquer momento."
       A – ( ) causa
       B – (X) finalidade
       C – ( ) consequência
       D – ( ) direção
       E – ( ) lugar.
19ª QUESTÃO: A ideia de matéria não pode ser estabelecida pela preposição de na opção:
       A – (X) "com muitas ‘burras de padre’" 
       B – ( ) "Essas asas são de couro" 
       C – ( ) "e não há ponta de aço," 
       D – ( ) "é de bronze; e já por isto," 
       E – ( ) "já como bolas de gelo." 
20ª QUESTÃO: Identifique, nos versos abaixo, o único que exclui-se de registrar uma consequência sofrida por um ser que entre em confronto com o Monstro do Rio Negro:
       A – ( ) "perde a vida num segundo" 
       B – ( ) "e os dentes se desmancham," 
       C – ( ) "e gangrena com o tétano" 
       D – (X) "Seus olhos são como brasas" 

       E – ( ) "o vivente vai-se abaixo"

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