A guardadora de Gansos
Num reino muito distante vivia uma velha viúva com a sua única filha. Embora amasse muito a filha, quando ela atingiu a maioridade, consentiu o seu noivado com um príncipe de uma terra distante, para que ambos os reinos se unissem, mesmo que a princesa e o príncipe nunca se tivessem visto.
A princesa partiu então para o reino do seu noivo com um suntuoso enxoval, rico em jóias e ouro, e com uma das damas de companhia da sua mãe. Ambas as raparigas viajavam a cavalo. O cavalo da princesa chamava-se Falada, porque sabia falar. No entanto, essa capacidade era apenas conhecida pela princesa.
Na hora das despedidas, a sós nos seus aposentos, a rainha cortou o pulso com um punhal e deixou cair três gotas de sangue num lenço e entregou-o à filha, dizendo-lhe para guardá-lo porque a poderia ajudar na viagem. As despedidas prolongaram-se - a princesa era muito amada por todos no reino - até que, ao início da tarde, partiram.
Tinham passado algumas horas quando a princesa sentiu sede. Viajava sozinha com a dama de companhia e pediu-lhe que lhe trouxesse um pouco de água. No entanto, a dama replicou que não seria criada dela nem durante nem após a viagem e que, se a princesa tinha sede, então que fosse ela mesma a ir buscar água. A princesa nada disse ao ouvir tão seco comentário. Ao debruçar-se num riacho ali perto, a princesa suspirou de tristeza e, uma voz vinda do lugar onde trazia o pequeno lenço, disse-lhe: "Se a tua mãe visse isto, o seu coração partir-se-ia." A princesa voltou para o seu cavalo e nada mais disse.
Algum tempo depois a princesa sentiu sede de novo e, esquecendo as palavras duras da dama, pediu-lhe para lhe trazer água. E de novo a dama lhe respondeu que não seria criada dela. A princesa dirigiu-se ao rio, que passava por ali, e, perdida nos seus pensamentos, deixou cair o seu lenço. Não reparou no por menor, mas a dama sim. Isso a fê-la sentir poder sobre a princesa, uma vez que esta já não se encontrava sob a proteção da velha rainha. Assim que a princesa regressou a Falada, a dama exigiu que trocassem de cavalo e de roupas, para que fosse ela a casar com o príncipe. A princesa não poderia contar nada a ninguém ou seria morta. Esta assentiu e nada mais disse durante toda a viagem. O único que se mantinha atento e relutante era Falada.
Ao chegarem ao reino, a dama finge-se princesa e todos acreditam, pois transporta um enxoval e vestuário corresponde ao reino de onde vinha. A verdadeira princesa é deixada no pátio, junto a Falada. Dentro da corte, a dama lembra-se de vê-los muitas vezes sussurrar um com o outro e, de imediato, pede ao rei que mate o cavalo, argumentando que estava cheia de dores por sua culpa. Tinha medo que o cavalo pudesse revelar a farsa. Pediu também para que encarregasse a "aia" que a acompanhava de um trabalho qualquer. O rei consente o pedido e manda matar de imediato o cavalo. A princesa era agora uma guardadora de gansos...
Ao saber que Falada tinha sido morto, a princesa promete ao talhante uma soma de ouro se ele conservasse a cabeça do cavalo. Como o talhante gostava da moça pendurou a cabeça do cavalo numa das portas da cidade, a mais escura, por onde a princesa costumava passar sempre que ia guardar os gansos.
Todas as manhãs ia com Curdken, um menino, guardar os gansos para um prado. Ao passar pela porta, ela e Falada cumprimentavam-se, ouvindo-se sempre a invariável frase "Se a tua mãe visse isto, o seu coração partir-se-ia". Ao chegarem ao prado Curdken aproximava-se muito da princesa, com a intenção de roubar alguns cabelos dourados como o ouro da delicada cabeleira da sua companheira. No entanto, ela encantava o vento e o boné que Curdken trazia sempre voava pelos céus fora. A princesa penteava os seus cabelos em paz e o rapaz só voltava quando ela já tinha terminado a cabeça.
Um dia, Curdken, farto de tanta correria, dirigiu-se ao rei e pediu-lhe para arranjar outra pessoa para guardar os gansos com ele. O rei não entende o pedido e Curdken explica-lhe que acontecem coisas muito estranhas sempre que ele vai para o prado com a dama da princesa. Ao ouvir o relato, o rei pede-lhe para ir mais algumas vezes com ela, para que ele pudesse ver a situação com os seus próprios olhos.
Após ver algumas vezes as idas e vindas do prado, o rei esperou a princesa na casinha onde ela vivia. Aí perguntou-lhe por que razão estava sempre infeliz e por que se comportava assim. A princesa baixou os olhos, dizendo que não podia de forma alguma contar-lhe, pois estaria a quebrar um juramento. O rei fingiu-se desanimado, mas, como era realmente manhoso, disse-lhe para, ao menos, confiar à verdade ao enorme forno de metal que tinha. Assim que saiu de sua casa, a princesa irrompeu em lágrimas e contou a sua triste história ao forno. Na verdade, o rei encontrava-se apenas do lado de fora da porta e, ao ouvir o lamento, o rei agarrou na princesa e levou-a ao seu palácio. Explicou ao filho o que tinha acontecido, o que muito o alegrou, pois não gostava da sua noiva. Ao ver a verdadeira princesa, o príncipe comoveu-se com a sua coragem e honra e prometeu vingá-la.
Nessa noite, a princesa jantou junto dos membros da família real, vestida como a princesa que era. Contudo, a sua dama de companhia não a reconheceu. O rei decidiu contar a história da princesa, inquirindo os presentes sobre o castigo a ser atribuído à dama. Esta, que tinha tanto de feia como de ignorante, não se apercebeu do que se passava, e sugeriu um castigo horripilante - colocar a pessoa num barril com facas e fazê-lo rolar por todas as ruas da cidade. O rei anunciou que o seu castigo acabava de ser decidido...
O príncipe e a princesa casaram após a sentença ter sido cumprida.
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