Interpretação de texto - Crônica
O Homem Nu
Fernando Sabino
Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
Esta é uma das crônicas mais famosas do grande escritor mineiro Fernando Sabino. Extraída do livro de mesmo nome, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 65
1. O título da crônica é O homem nu. Que outro título você poderia atribuir ao assunto do texto?
2. O texto foi escrito no início da década de 1960. Que fatos ou situações nos permitem concluir que a história não se passa nos dias de hoje?
3. Por que o homem ficou nu?
4. Por que a mulher não abriu a porta do apartamento quando a campainha tocou?
6. Por que a vizinha gritou que o padeiro estava nu?
7. No final da história, o homem teve de encarar o cobrador da televisão. Escreva uma possível desculpa que ele poderia dar para não pagar a prestação.
8. Responda a estas perguntas sobre o texto O homem nu.
9. Assinale a alternativa que expressa o principal conflito do protagonista, isto é, do personagem mais importante de O homem nu.
12. Em vários momentos, o autor criou suspense no texto. Localize dois trechos em que isso ocorre e cite os números dos parágrafos correspondentes.
13. Retire do texto O homem nu três palavras ou expressões que marcam o tempo na narrativa..
14. Releia esta frase do texto e faça o que se pede.
b) Reescreva essa mesma frase, substituindo a palavra como por outra palavra ou expressão de sentido equivalente. Faça as alterações necessárias.
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pelo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.
Esta é uma das crônicas mais famosas do grande escritor mineiro Fernando Sabino. Extraída do livro de mesmo nome, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 65
Glossário
Vigarice: Ato de trapaça; fraude.
Lanço: Parte de uma escada entre dois patamares sucessivos; o mesmo que lance.
Grotesco: Ridículo, extravagante.
Encetar: Iniciar, começar.
Em pelo: Nu, pelado.
Pesadelo de Kafka: Referência ao escritor checo Franz Kafka, que criou histórias fantásticas com toques de terror e situações incomuns. Muitas vezes, seus personagens se sentiam assustados e em agonia, como se vivessem um pesadelo.
Regime do Terror. Referência ao período da Revolução Francesa compreendido entre 31 de maio de 1793 e 27 de julho de 1794, em que milhares de pessoas foram executadas na guilhotina por se oporem ao governo e às ideias de Maximilien de Robespierre.
Estarrecida. Espantada, horrorizada, perplexa.
Radiopatrulha. Veículo da polícia, equipado com rádio.
Compreensão do texto e análise da organização do enredo
1. O título da crônica é O homem nu. Que outro título você poderia atribuir ao assunto do texto?
2. O texto foi escrito no início da década de 1960. Que fatos ou situações nos permitem concluir que a história não se passa nos dias de hoje?
3. Por que o homem ficou nu?
4. Por que a mulher não abriu a porta do apartamento quando a campainha tocou?
5. No quarto parágrafo do texto, o homem afirma:
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
A atitude dele está de acordo com sua afirmação? Por quê?
6. Por que a vizinha gritou que o padeiro estava nu?
7. No final da história, o homem teve de encarar o cobrador da televisão. Escreva uma possível desculpa que ele poderia dar para não pagar a prestação.
8. Responda a estas perguntas sobre o texto O homem nu.
a) Qual era o desejo do homem nu ao se ver trancado fora de casa?
b) O que o impedia de realizar esse desejo?
9. Assinale a alternativa que expressa o principal conflito do protagonista, isto é, do personagem mais importante de O homem nu.
A oposição entre o desejo e o que impede sua realização chama-se conflito. Pode ser um choque de interesses, de opiniões, de comportamento entre dois ou mais personagens, ou de um personagem com a natureza, ou até de um personagem consigo mesmo. É por meio do conflito que se estrutura o enredo de uma narrativa.
a.( )O marido quer tomar banho, mas a mulher já se trancou no banheiro.
b( )O cobrador virá receber a prestação, mas o devedor está sem dinheiro.
c( )O homem nu está do lado de fora do apartamento e não consegue entrar em casa.
d( )O elevador começa a subir e o homem nu pensa que é o cobrador.
O momento da narrativa em que a sequência de acontecimentos atinge o mais alto grau de tensão chama-se clímax.
10. Qual é o momento de mais tensão, de mais nervosismo no texto?
11. Numere as ações, mostrando a sequência dos acontecimentos.
a. A porta do apartamento se fecha, deixando o homem para fora. ( )
b. O marido pega o embrulho do pão. ( )
c. O marido põe a água para esquentar. ( )
d. O marido entra no elevador e aperta o botão de emergência. ( )
e. A mulher vai para o banho. ( )
f. A mulher abre a porta. ( )
g. O homem e a mulher decidem fingir que não estão em casa. ( )
h. A mulher desliga o chuveiro. ( )
i. O elevador começa a subir. ( )
j. O marido tira a roupa para tomar banho. ( )
k. O marido toca a campainha do apartamento. ( )
l. O cobrador da televisão bate à porta. ( )
m. O marido grita e esmurra a porta, alertando os vizinhos. ( )
12. Em vários momentos, o autor criou suspense no texto. Localize dois trechos em que isso ocorre e cite os números dos parágrafos correspondentes.
13. Retire do texto O homem nu três palavras ou expressões que marcam o tempo na narrativa..
14. Releia esta frase do texto e faça o que se pede.
Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro (...)
a) Assinale a alternativa que explica o sentido do trecho sublinhado.
( ) Expressa uma consequência.
( ) Indica uma causa.
( ) Estabelece uma comparação.
b) Reescreva essa mesma frase, substituindo a palavra como por outra palavra ou expressão de sentido equivalente. Faça as alterações necessárias.
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