/MACRO: REPENSANDO O ENSINO
MARCELO GLEISER – FOLHA DE SÃO PAULO - 12 de março de 2006
Semana
passada, assisti a uma apresentação de uma educadora especializada em
ensino de ciência ao nível universitário. Falava dos métodos que existem
e como podem ser melhorados. Nos EUA, a questão de como as ciências, em
particular as exatas, devem ser ensinadas vem sendo discutida com muita
ênfase nos últimos anos. Estudos quantitativos mostram que o método
chamado "tradicional", com o professor em frente aos alunos apresentando
a matéria no quadro-negro, não é muito eficiente, principalmente para
aqueles que não têm um interesse direto na matéria.
Existe uma defasagem entre a estrutura do ensino moderno e a visão de uma sociedade igualitária.
Existe
uma outra proposta, bem mais dinâmica, na qual os alunos participam de
forma ativa do aprendizado, em vez de absorver passivamente (ou não) o
que lhes é dito. Em um exemplo, o professor propõe uma questão aos
alunos que, em grupos de três ou quatro, tentam respondê-la. As
respostas são então apresentadas para toda a classe e seus méritos ou
erros debatidos em conjunto. Os grupos podem usar computadores, onde
examinam simulações simples, ou materiais e objetos, como pêndulos e
circuitos elétricos. Testes mostram que os alunos aprendem bem mais com
método dinâmico, o que não me surpreende.
Mas
a educadora tocou num outro ponto que acho ainda mais fundamental: como
a estrutura do ensino nas nossas escolas (e aqui vale para o mundo
inteiro) reflete a sociedade que queremos (ou não) construir. Apresento a
seguir dois modelos de escola. Não direi inicialmente qual é qual,
apenas suas filosofias e métodos.
Modelo
1: o professor tem autoridade absoluta. A memorização é o foco do
ensino. A conformidade e a passividade em sala são impostos. Aulas são
monólogos. Ênfase na competição entre alunos. Testes e notas são
freqüentes, hierarquização dos resultados também. Fulano tirou 10, foi
primeiro lugar, é da turma A.
Modelo
2: professor e estudantes trabalham juntos na sala de aula. Foco na
compreensão conceitual. A criatividade e a capacidade de reflexão são o
objetivo principal do ensino. O aprendizado é ativo. Ênfase na
interdependência e no trabalho em grupo. Averiguação do aprendizado é
feita de modo construtivo, dando ao aluno a oportunidade de corrigir
seus erros e melhorar suas notas. Descontando os inevitáveis exageros e
distorções causados pela apresentação de assunto tão complexo em algumas
linhas, fica claro qual é o modelo da grande maioria das escolas. Qual a
sociedade que resulta desse modelo de ensino? A resposta é óbvia. O
modelo 1 reflete uma sociedade autoritária, baseada na submissão do
indivíduo. Essa é uma sociedade que, imagino, todos concordam que não
deveria mais existir nas democracias modernas, onde crianças não ousam
interromper um adulto ou mesmo dirigir-lhe a palavra, onde mulheres não
votam, uma sociedade que institui a segregação racial e religiosa, mais
adequada ao século 19 do que ao 21. Sei que a questão é incômoda. Mas é
crucial.
Existe
uma defasagem entre a estrutura do ensino moderno e a visão de uma
sociedade igualitária, baseada na troca construtiva de idéias, no
respeito à diferença, onde aprender tem uma dimensão lúdica, é desejado
em vez de imposto. As escolas são um microcosmo da sociedade. O que
ocorre nas salas de aula e os valores que são ensinados lá permanecem
conosco por toda a vida. Se queremos uma sociedade democrática, que
reflita os valores igualitários que proferimos como os únicos
aceitáveis, temos de refletir -e muito- sobre o ensino.
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