segunda-feira, 22 de junho de 2015



/MACRO: REPENSANDO O ENSINO

MARCELO GLEISER – FOLHA DE SÃO PAULO - 12 de março de 2006

Semana passada, assisti a uma apresentação de uma educadora especializada em ensino de ciência ao nível universitário. Falava dos métodos que existem e como podem ser melhorados. Nos EUA, a questão de como as ciências, em particular as exatas, devem ser ensinadas vem sendo discutida com muita ênfase nos últimos anos. Estudos quantitativos mostram que o método chamado "tradicional", com o professor em frente aos alunos apresentando a matéria no quadro-negro, não é muito eficiente, principalmente para aqueles que não têm um interesse direto na matéria.
Existe uma defasagem entre a estrutura do ensino moderno e a visão de uma sociedade igualitária. 
Existe uma outra proposta, bem mais dinâmica, na qual os alunos participam de forma ativa do aprendizado, em vez de absorver passivamente (ou não) o que lhes é dito. Em um exemplo, o professor propõe uma questão aos alunos que, em grupos de três ou quatro, tentam respondê-la. As respostas são então apresentadas para toda a classe e seus méritos ou erros debatidos em conjunto. Os grupos podem usar computadores, onde examinam simulações simples, ou materiais e objetos, como pêndulos e circuitos elétricos. Testes mostram que os alunos aprendem bem mais com método dinâmico, o que não me surpreende.
Mas a educadora tocou num outro ponto que acho ainda mais fundamental: como a estrutura do ensino nas nossas escolas (e aqui vale para o mundo inteiro) reflete a sociedade que queremos (ou não) construir. Apresento a seguir dois modelos de escola. Não direi inicialmente qual é qual, apenas suas filosofias e métodos.
Modelo 1: o professor tem autoridade absoluta. A memorização é o foco do ensino. A conformidade e a passividade em sala são impostos. Aulas são monólogos. Ênfase na competição entre alunos. Testes e notas são freqüentes, hierarquização dos resultados também. Fulano tirou 10, foi primeiro lugar, é da turma A.
Modelo 2: professor e estudantes trabalham juntos na sala de aula. Foco na compreensão conceitual. A criatividade e a capacidade de reflexão são o objetivo principal do ensino. O aprendizado é ativo. Ênfase na interdependência e no trabalho em grupo. Averiguação do aprendizado é feita de modo construtivo, dando ao aluno a oportunidade de corrigir seus erros e melhorar suas notas. Descontando os inevitáveis exageros e distorções causados pela apresentação de assunto tão complexo em algumas linhas, fica claro qual é o modelo da grande maioria das escolas. Qual a sociedade que resulta desse modelo de ensino? A resposta é óbvia. O modelo 1 reflete uma sociedade autoritária, baseada na submissão do indivíduo. Essa é uma sociedade que, imagino, todos concordam que não deveria mais existir nas democracias modernas, onde crianças não ousam interromper um adulto ou mesmo dirigir-lhe a palavra, onde mulheres não votam, uma sociedade que institui a segregação racial e religiosa, mais adequada ao século 19 do que ao 21. Sei que a questão é incômoda. Mas é crucial.
Existe uma defasagem entre a estrutura do ensino moderno e a visão de uma sociedade igualitária, baseada na troca construtiva de idéias, no respeito à diferença, onde aprender tem uma dimensão lúdica, é desejado em vez de imposto. As escolas são um microcosmo da sociedade. O que ocorre nas salas de aula e os valores que são ensinados lá permanecem conosco por toda a vida. Se queremos uma sociedade democrática, que reflita os valores igualitários que proferimos como os únicos aceitáveis, temos de refletir -e muito- sobre o ensino.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

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