quarta-feira, 9 de dezembro de 2015


Tatuagem

Enfermeira inglesa de 78 anos manda tatuar mensagem no peito pedindo para não proceder a manobras de ressuscitação em caso de parada cardíaca. Mundo Online, 4.fev.2003

    Ela não era enfermeira (era secretária), não era inglesa (era brasileira) e não tinha 78 anos, mas sim 42: bela mulher, muito conservada. Mesmo assim, decidiu fazer a mesma coisa. Foi procurar um tatuador, com o recorte da notícia. O homem não comentou: perguntou apenas o que era para ser tatuado.
     - É bom você anotar -disse ela- porque não será uma mensagem tão curta como essa da inglesa.
      Ele apanhou um caderno e um lápis e dispôs-se a anotar.
    - "Em caso de que eu tenha uma parada cardíaca" -ditou ela-, "favor não proceder à ressuscitação".
      Uma pausa, e ela continuou:
     - "E não procedam à ressuscitação, porque não vale a pena. A vida é cruel, o mundo está cheio de ingratos."
     Ele continuou escrevendo, sem dizer nada. Era pago para tatuar, e quanto mais coisas tatuasse, mais ganharia.
     Ela continuou falando. Agora voltava à sua infância pobre; falava no sacrifício que fora para ela estudar. Contava do rapaz que conhecera num baile de subúrbio, tão pobre quanto ela, tão esperançoso quanto ela. Descrevia os tempos de namoro, o noivado, o casamento, o nascimento dos dois filhos, agora grandes e morando em outra cidade. Àquela altura o tatuador, homem vivido, já tinha adivinhado como terminaria a história: sem dúvida ela fora abandonada pelo marido, que a trocara por alguma mulher mais jovem e mais bonita. E antes que ela contasse sua tragédia resolveu interrompê-la. Desculpe, disse, mas para eu tatuar tudo que a senhora me contou, eu precisaria de mais três ou quatro mulheres.
    Ela começou a chorar. Ele consolou-a como pôde. Depois, convidou-a para tomar alguma coisa num bar ali perto.
    Estão vivendo juntos há algum tempo. E se dão muito bem. Ela sente um pouco de ciúmes quando ele é procurado por belas garotas, mas sabe que isso é, afinal, o seu trabalho. Além disso, ele fez uma tatuagem especialmente para ela, no seu próprio peito.          Nada de muito artístico, o clássico coração atravessado por uma flecha, com os nomes de ambos. Mas cada vez que ela vê essa tatuagem, ela se sente reconfortada. Como se tivesse sido ressuscitada, e como se estivesse vivendo uma nova, e muito melhor, existência.

Moacyr Scliar – Folha de São Paulo – 10/03/2003

Interpretação

1.O cronista se inspirou em um fato real.
a)    Qual é o fato?
b)    De onde foi retirado?

2. O fato gerador do conflito que constrói a crônica é a secretária
(  ) ser mais jovem que a mulher  da notícia.      (  ) concluir que a vida não vale a pena.
(  ) achar romântica a história da enfermeira      (  ) ter se envolvido com o tatuador.

3. Quais as diferenças apontadas pelo narrador entre a mulher da notícia e a mulher da crônica?

4. Transcreva o trecho que mostra como o tatuador imaginava o final da história que a mulher lhe contava.

5. Qual foi a tatuagem especial que o tatuador fez em seu próprio peito para a secretária?

6. Relacione:
(1) Situação inicial     (2) Conflito     (3) Desenvolvimento    (4) Clímax    (5) Desfecho

(  ) Os dois vivem juntos, ele fez uma tatuagem no peito e cada vez que ela  vê, se sente ressuscitada.
(  ) Uma mulher procura um tatuador após ler uma notícia de uma enfermeira que tatuou uma frase inusitada.
( ) A mulher acha que a vida não vale a pena e quer uma tatuagem semelhante a da enfermeira "Em caso de que eu tenha uma parada cardíaca" -ditou ela-, "favor não proceder à ressuscitação".
(  )  A secretária começa a contar sua história infeliz para o tatuador. Ele a interrompe pois já sabia como terminaria, 
(  ) Ela chora, ele a conforta como pôde e convida-a para tomar alguma coisa.

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