segunda-feira, 21 de dezembro de 2015


Poesias

Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
reconhecer a diferença entre sentido literal e figurado;
aprofundar-se na particularidade da palavra poética;
conhecer algumas características da poética de Baudelaire.

Conteúdos
Eu lírico ou Eu poético;
Modernidade;
Sentido literal e figurado;
Paráfrase, hipótese, análise e interpretação.

Tempo estimado
Seis aulas

Ano
9º ano

Material necessário
Livro As Flores do Mal, Charles Baudelaire. 660 págs,
Editora Nova Fronteira, tel (21) 2131 1183, preço 72 reais

Desenvolvimento

1ª etapa - apresentação: Baudelaire, o poeta do mundo moderno

Em aula expositiva dialogada, apresente aos alunos um pouco da biografia de Charles Baudelaire

Charles Baudelaire
Paris, França 1821- 1867

Órfão de pai aos seis anos, Charles-Pierre Baudelaire viria a odiar o segundo marido da mãe, o general Jacques Aupick. Após anos de desavenças com o padrasto, Baudelaire interrompeu os estudos em Lyon, na França, para fazer uma viagem à Índia. Na volta, participou da Revolução de 1848.

Após esse período conturbado, passou a frequentar a elite aristocrática. Envolveu-se com a atriz Marie Daubrun, a cortesã Apollonie Sabatier e a também atriz Jeanne Duval, uma mestiça por quem se apaixonou e a quem dedicou o ciclo de poemas "Vênus Negra". 

Em 1847, lançou "La Fanfarlo", seu único romance (trata-se, mais propriamente, de uma novela autobiográfica). Dez anos depois, quando se publicaram "As Flores do Mal" ("Les Fleurs du Mal"), todos os envolvidos com o livro foram processados por obscenidade e blasfêmia. Além de pagarem multa, viram-se obrigados a retirar seis poemas do volume original - só publicado na integra em edições póstumas.
Tanto "As Flores do Mal" como "Pequenos Poemas em Prosa" (póstumos, 1869) introduziram elementos novos na linguagem poética, fundindo opostos existenciais como o sublime e o grotesco.

Entre seus ensaios, destaca-se "O Princípio Poético" (1876), em que fixa as bases de seu trabalho. Nos diários (também publicados postumamente), revela-se profético e radical contestador da civilização moderna.

De 1852 a 1865, Baudelaire traduziu os textos do poeta e contista norte-americano Edgar Allan Poe por quem se entusiasmara já no final da década de 1840.
Outro Baudelaire, o sifilítico e usuário de drogas, surge em "Os Paraísos Artificiais, Ópio e Haxixe" (1860), uma especulação sobre plantas alucinógenas, parcialmente inspirada pelas "Confissões de um Comedor de Ópio" (1821), do escritor inglês Thomas de Quincey. Há também obras de cunho intimista e confessional, como "Meu Coração Desnudo".

Dissipou seus bens na boemia e na jogatina parisienses. Mergulhado em dívidas, teve de resignar-se a medidas judiciárias tomadas pelos familiares, e um tutor foi nomeado para controlar-lhe os gastos.

Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após uma vida repleta de tribulações, Baudelaire morreu com apenas 46 anos, nos braços da mãe. Seu talento e seu intelecto só seriam totalmente reconhecidos depois. No século 20, tornou-se um ícone, influenciando direta e indiretamente toda a moderna poesia ocidental.


2ª etapa - Leitura compartilhada do poema "O albatroz"

Leia com os alunos o poema "O albatroz" e garanta a compreensão do vocabulário.

O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

 

 

Em seguida, peça aos alunos que formulem por escrito, em grupos de quatro, uma paráfrase e uma hipótese interpretativa sobre o poema. Para isso, entregue aos grupos as seguintes questões:

1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.
2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido figurado do poema.

Depois que os grupos terminarem, socialize os resultados.

Paráfrase

A paráfrase é a primeira parte da análise. A ela corresponde à resposta da questão "o que fala o poema?". É uma espécie de explicitação do sentido literal do texto, por mais evidente ou estranho que isso possa parecer.

Exemplo: O poema fala sobre um albatroz capturado por marinheiros de um navio. Impedida de voar, a ave, imponente nos céus, reduz-se a uma figura desengonçada, cômica e feia, arrastando pelo chão suas enormes asas. O Eu lírico compara o albatroz ao poeta, que se sobressai no terreno do elevado, mas move-se mal ao rés-do-chão.

Hipótese interpretativa

Existe uma espécie de paradoxo entre análise e interpretação. Se por um lado a interpretação é uma consequência do que foi investigado na análise, por outro é a própria interpretação que norteia a análise toda.

Quando começamos a analisar um poema, estamos buscando elementos para atingir o seu sentido mais profundo. Ao mesmo tempo, desde o início temos em mente uma possibilidade de leitura, uma hipótese interpretativa. O que vamos fazer aqui é torná-la consciente.

Exemplo: A comparação entre o poeta e o albatroz refere-se aos temas da poesia. O poeta seria capaz de produzir versos belos quando figura temas elevados, como o amor, a vida ou a natureza. No entanto, posto ao nível da vida cotidiana, ele seria incapaz de fazer bons versos.

Como pode-se notar, há uma distância entre o sentido literal e o figurado desse poema. Para verificar se nossa hipótese tem fundamento, é preciso partir para a análise.

3ª etapa - análise "O albatroz"

Mostre à classe como a compreensão do sentido literal do poema se distancia da compreensão do sentido figurado. Em seguida, tente tornar claro para a turma as operações mentais que fazemos para passar de um nível ao outro. Esse é o momento da análise.

Oralmente, pergunte:
a) Em que aspectos poeta e albatroz podem ser comparados?
b) Para o poeta, o que seria buscar as alturas?
c) Por que, uma vez no chão, ele estaria "exilado"

Análise

Analisar é "desmontar" o poema, é verificar de que forma as palavras deixam a sua acepção corrente e ganham a dimensão de imagem. É investigar a organização do discurso poético: quais são as partes que o compõem e como elas se articulam. Cada poema tem inúmeros elementos que, articulados, geram diferentes significações. A ideia não é investigar todos esses elementos de forma mecânica, mas somente aqueles que sirvam para verificar a sua hipótese interpretativa.

A análise constrói argumentos que sustentam a interpretação. É ela que vai conduzir o leitor através do seu raciocínio. É como se, lendo a sua hipótese interpretativa, o leitor dissesse "não entendi" ou "não concordo". Sua análise é o caminho para convencê-lo.

Se durante o processo de análise perceber que sua hipótese não é central para a compreensão do "sentido profundo" do poema, demonstre, sempre de forma argumentativa, a não centralidade da sua tese anterior (hipótese interpretativa) e formule sua nova hipótese. Com ela formulada, continue a convencer o leitor dos novos rumos da sua análise. Não há problema nenhum em trocar de hipótese. Ao contrário, muitas vezes isso é indício de uma leitura rigorosa.

Não podemos esquecer também que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter na economia do poema. "Aspectos formais" são elementos que se referem menos diretamente ao que foi escrito e mais ao como foi escrito: as rimas, a divisão em versos, repetições de palavras, refrões, aliterações, assonâncias, as diferentes figuras de linguagem etc. O que, na forma do poema "o albatroz", chama mais atenção?

Exemplo resumido: O poema "O albatroz" possui uma estrutura simples: todo ele se organiza em torno da comparação entre a ave e o poeta. A primeira estrofe narra o passatempo dos marinheiros de capturar um albatroz para seguir viagem no navio. A segunda, descreve o quanto a ave é desajeitada quando em solo firme. Na terceira estrofe o Eu lírico se dirige ao albatroz e manifesta seu espanto diante da feiúra do bicho quando este anda ao invés de voar.

Na última estrofe o Eu lírico, ao comparar o "príncipe da altura" ao poeta, abre para o sentido figurado a leitura das três estrofes anteriores: o poeta, ao rés-do-chão, é cômico e feio, e aquilo que o eleva aos céus o impede de andar "em meio à corja impura".

Para compreender "O albatroz" e alguns elementos essenciais da poética de Baudelaire, é preciso conhecer sua importância para a poesia moderna e seu lugar na história da literatura ocidental. Por isso, a análise agora dará lugar ao comentário.

4ª etapa - O comentário

Em alguns poemas, a análise solicita informações externas à obra para elucidar seu sentido mais profundo. "A partir de agora, [o poema] será concebido não como um todo autônomo, mas parcela de um todo maior. Assim como as partes do poema são elementos de um conjunto próprio, o poema por sua vez é parte de um conjunto formado pelas circunstâncias de sua composição, o momento histórico, a vida do autor, o gênero literário, as tendências estéticas de seu tempo, etc. Só encarando-o assim teremos elementos para avaliar o significado da maneira mais completa possível (que é sempre incompleta, apesar de tudo)", diz Antonio Candido no livro Na sala de aula: caderno de análise literária.

E, em aula expositiva, explique à turma um pouco sobre a importância de Baudelaire para a poesia moderna.

Comentário

Exemplo resumido: Charles Baudelaire é considerado o precursor da poesia moderna. Ele percebeu como ninguém a mudança de sensibilidade inerente à vida agitada das grandes cidades da era industrial. No mundo moderno, não há mais lugar para a comoção lírica e o poeta precisa se adaptar aos novos tempos. Para Baudelaire, o poeta moderno deve abandonar o belo sublimado da poesia romântica e descer ao rés-do-chão para falar com um leitor cuja sensibilidade está habituada a vivências de choque. Os leitores dessa nova realidade têm os sentidos hiperexcitados pelo mundo das mercadorias e estão pouco afeitos a efusões líricas. Têm a sensibilidade embotada e a imaginação reduzida. Por isso, mundo moderno exige uma nova poesia, que encontre beleza no feio, na lama, na miséria. Baudelaire reivindicou a todos os aspectos da realidade, inclusive os mais horrendos e grotescos, o direito de serem figurados na linguagem poética.

5ª etapa - a interpretação

Organize a turma em grupos de quatro e peça que respondam novamente às questões da terceira aula, mudando o que acharem necessário. Acrescente a seguinte questão:
Há uma crítica ao poeta figurado no poema? Qual seria ela?

Interpretação

Interpretar significa escolher uma leitura entre outras possíveis. A interpretação corresponde à resposta da questão "do que fala o poema". Ela é a exposição de seu sentido profundo. É ele que estamos buscando desde o início. É também agora que vamos refazer de forma sintética o caminho da primeira hipótese, a "hipótese interpretativa", até a formulação final que fizemos durante o processo de análise e concluir o trabalho.

Exemplo resumido: Dissemos na hipótese interpretativa que a comparação entre o poeta e o albatroz referia-se aos temas da poesia. Após a análise ter lançado mão do comentário, podemos ampliar nossa primeira hipótese:
Ao comparar o poeta ao albatroz, Baudelaire clama uma adaptação dos poetas a realidade do mundo moderno. É preciso que o poeta abandone os vôos altos da sublimação romântica e aprenda a andar com os pés no chão, escolhendo como tema de poesia tudo o que a vida oferecer, incluindo o que choca por ser feio, fétido, desagradável ou grotesco.

6ª etapa - tudo é matéria para a poesia

Leia com a turma os poemas transcritos abaixo para mostrar como Baudelaire usou todo tipo de tema como matéria para seus versos.

A mendiga ruiva

Ruiva e branca a aparecer,
Cuja roupa deixar ver
Por seus rasgões a pobreza
Como a beleza,
A mim, poeta sofredor,
Teu corpo de um mal sem cura
Todo manchas de rubor,
Só tem doçura.
E calças (muito mais bela
Que a Rainha da Novela
Com os seus coturnos brancos)
Os teus tamancos.
Em vez de molambos, mal
Não te iria a roupa real,
Chegando as ondulações
Até os talões;
Em vez de meia de crivos,
Para os olhos dos lascivos
Um punhal na perna linda
Brilhasse ainda;
E laços mal apertados
Mostrem aos nossos pecados
Os teus seios a brilhar
Como um olhar;
Para seres desnudada
Tu te faças de rogada.
Possam expulsar teus braços
Dedos devassos;
Pérolas formosas, ou
Poemas do mestre Belleau
Que os galantes na prisão
Sempre te dão,
A chusma dos rimadores
Dedicando-te primores,
Contemplando-te o escarpim
No varandim,
Muito pagem a sonhar
E muito senhor Ronsard
Olhariam com sigilo
Teu fresco asilo!
No leito dos teus delírios
Terás mais beijos que lírios
Tua lei dominará
Mais de um Valois!
- Porém segue a tua lida,
Só por sobras de comida
Jogadas por distanciadas
Encruzilhadas;
E só quer teu sonho louco
Joias que valem bem pouco
Que eu nem posso, ó Deus clemente,
Dar de presente.
Nada te orna neste instante,
Perfume, rubim, diamante,
Só tua nua magreza!
Minha beleza!

A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! - Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

Uma carniça

Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos
Numa bela manhã radiante:
Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos,
Uma carniça repugnante.
As pernas para cima, qual mulher lasciva,
A transpirar miasmas e humores,
Eis que as abria desleixada e repulsiva,
O ventre prenhe de livores.
Ardia o sol naquela pútrida torpeza,
Como a cozê-la em rubra pira
E para ao cêntuplo volver à Natureza
Tudo o que ali ela reunira.
E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça
Como uma flor a se entreabrir.
O fedor era tal que sobre a relva escassa
Chegaste quase a sucumbir.
Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,
Dali saíam negros bandos
De larvas, a escorrer como um líquido grosso
Por entre esses trapos nefandos.
E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga,
Ou esguichava a borbulhar,
Como se o corpo, a estremecer de forma vaga,
Vivesse a se multiplicar.
E esse mundo emitia uma bulha esquisita,
Como vento ou água corrente,
Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita
E à joeira deita novamente.
As formas fluíam como um sonho além da vista,
Um frouxo esboço em agonia,
Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista
Apenas de memória um dia.
Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela
Em nós fixava o olho zangado,
Aguardando o momento de reaver àquela
Náusea carniça o seu bocado.
- Pois hás de ser como essa infâmia apodrecida,
Essa medonha corrupção,
Estrela de meus olhos, sol de minha vida,
Tu, meu anjo e minha paixão!
Sim! tal serás um dia, ó deusa da beleza,
Após a benção derradeira,
Quando, sob a erva e as florações da natureza,
Tornares afinal à poeira.
Então, querida, dize à carne que se arruína,
Ao verme que te beija o rosto,
Que eu preservei a forma e a substância divina
De meu amor já decomposto!

Avaliação

Divida a classe em grupos de quatro e peça que cada grupo escolha um poema de As Flores do Mal. Diante do poema escolhido, os grupos devem responder por escrito às seguintes questões:

1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.

2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido figurado do poema.

3) Como cada poema fala? Descreva como as palavras se organizam em cada um dos poemas para produzir os sentidos que você intuiu na questão 2.
Se for possível, analise posteriormente em classe os poemas trabalhados pelos grupos.

Quer saber mais?


 

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