segunda-feira, 15 de agosto de 2016

BARULHOS DESAGRADÁVEIS




Dentre as diversas recomendações do síndico digitadas numa folha colada no elevador, uma delas me chamou a atenção. Dizia: “Há reclamação de barulho desagradável proveniente de dentro dos apartamentos, e pedimos a colaboração de todos, pois viver em condomínio é respeitar especialmente os seus vizinhos, pois ninguém é obrigado a escutar o que o outro faz dentro de sua casa”.
Era uma folha com cinco recomendações. As outras, mais comuns, falavam de cuidado com os animais, da manutenção da limpeza do elevador, e de procedimentos mínimos de segurança que deveriam ser respeitados nos portões que dão acesso ao condomínio, diante de reiteradas notícias de roubos em prédios da região.
De pronto, resolvi aceitar o pedido de colaboração do senhor síndico. Ora, se bem me conheces amigo leitor, sabes que sou homem íntegro, que preza a honestidade, o caráter, e, principalmente, o respeito. Não ando no acostamento, não passo no sinal amarelo, não furo fila. O respeito é um dos pilares de minha existência, e dele não abro mão. Respeito meus superiores, meus funcionários, minha mãe, meus filhos, minha ex-mulher, meus amigos; respeito o ser humano, o cão, a árvore, as ruas; respeito os meus vizinhos.
Diante de solicitação tão educada, conclamando à prática do respeito mútuo, não haveria outra decisão a tomar: “Aceito, ó cauteloso síndico. Serei seu colaborador fiel. De hoje em diante, ninguém irá escutar o que o ocorre dentro de minha casa. Serei um vizinho exemplar; abster-me-ei de produzir barulhos desagradáveis em nome do mais legítimo e justo respeito condominial”.
Sei que é dura a vida de síndico; quando tem ocupações externas e mais o condomínio para cuidar, sua vida é confusa e atribulada, integrando o grupo de trabalhadores que irá se deparar com coisas a resolver, mesmo em horas reservadas à família e ao descanso. Além de administrar um condomínio inteiro e seus problemas (outro dia o elevador enguiçou; no último Natal faltou água em razão de problemas na caixa; moradores querem equipamentos para academia), sempre que é encontrado no elevador, ouve críticas, sugestões, reclamações.
Como não colaborar com pedido tão solícito, educado e correto? De fato, nem pedido haveria de ter, se o compromisso de nós moradores fosse com a educação, e o respeito. Deveria o senhor síndico se preocupar em descansar o corpo e a mente, após um dia cheio de trabalho; tomar banho, conversar com a mulher, ver desenho com os filhos, jantar e deitar sossegadamente, se entregando aos encantos que só uma cama quente e bem acompanhada pode produzir.
Mas não; tem que ouvir reclamações de barulho desagradável, tem que adiar seu descanso para pensar na maneira mais cautelosa de reduzir numa ordinária folha de papel o teor da insatisfação; tem que pedir a colaboração de todos em nome do respeito, quando nada disso seria necessário, se nós, condôminos responsáveis, fizéssemos a nossa parte.
Pois digo que o farei. De agora em diante assumo o compromisso de não usar mais o liquidificador, o aspirador de pó, o espremedor de laranjas e a panela de pressão; não ouvir mais músicas após as dez da noite; a televisão, quando ligada, estará num volume baixo; não tocar mais violão, não gritar nem xingar o juiz nos jogos do Palmeiras; se for o caso, nem assistir; não arrastar móveis, não usar sapatos, não atritar panelas e pratos; usar o chuveiro uma vez ao dia e nele não cantar.
Penso até que poderia haver mais algumas restrições, mas, por ora, acho que está de bom tamanho. Assim o fazendo, serei exemplar colaborador e vizinho respeitoso, não produzindo ruídos desagradáveis. Não terão do que reclamar os meus. E digo mais: nem está de todo ruim; tal qual o senhor síndico, com todas essas limitações autoimpostas, terei mais tempo pra me dedicar a certos derivativos, à cama quente, aos deleites merecidos.

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