CARTA PARA A FILHA
QUE EU VOU TER UM DIA
Fernanda Pinho
Querida filha,
Não sei como você é, embora te imagine, secretamente. Não faço a menor ideia de quando virá, embora já te queira desde sempre. Nem sei seu nome, embora já tenha alguns palpites. Ainda assim, decidi me adiantar e te escrever uma carta. Você, que a essa altura já me conhece, deve estar pensando "típico de você se adiantar". Pois é. É bem típico de mim mesmo. Mas, nesse caso, tem uma razão que vai além da minha ansiedade e da minha mania incorrigível de passar o carro na frente dos bois. Escrevo agora porque, dizem, o amor de mãe é o maior amor que existe no mundo. Tenho medo, então, de ficar tão boba por causa desse amor e dessa vontade de proteção, a ponto de não conseguir abrir seus olhinhos para certas verdades desse mundo. Escrever agora, que você ainda está num lugar muito mais legal que aqui, vai me doer menos.
Não sei se ser sonhadora é uma característica genética ou hereditária mas, por via das dúvidas, acho melhor te alertar, de cara, sobre esse assunto: os sonhos. Não, meu bem, não estou falando dessas historinhas bonitas com anjinhos e nuvens que você vê quando está dormindo. Falo de todas as suas vontades, de todos os seus desejos e de tudo aquilo em que você acredita. A primeira coisa que você precisa saber é que os seus sonhos são só seus. Eu mesma, que te amo mais que tudo, posso até acreditar neles também. Mas eles são seus. Isso significa duas coisas. Você pode ser ridicularizada e desencorajada por pessoas insensíveis e descrentes com os sonhos alheios. Mas isso não importa. Exatamente porque o sonho é seu, só você é quem pode mover mundos e fundos para que ele se realize. Ou seja, a descrença alheia não faz diferença. Eu não queria ter que dizer isso também, mas me vejo obrigada: luta, dedicação, insistência não são garantias de que seu sonho vai se realizar. Mas calma! Isso não significa que você não vá lutar, se dedicar e insistir. Sabe por quê? Porque o mais legal do sonho, na verdade, é o caminho que você percorre indo atrás dele. Você pode acabar descobrindo coisas, nesse caminho, muito mais interessantes que o programado destino final.
Você pode, por exemplo, não conseguir o trabalho que tanto sonhou. Mas pode, muito bem, se apaixonar por uma pessoa incrível na entrevista de emprego. Ok, ok. Sei que ainda não está familiarizada com esse negócio de se apaixonar, mas vou tentar te explicar (e, com meu coração de mãe, torcer muito para que demore o máximo possível até que você se familiarize). Quando você se apaixona, tudo parece menor. Você vai mal na escola e você nem liga. Seu time perde e você nem liga. Sua mãe (eu, no caso) te dá uma bronca e você nem liga. Sua amiga está um saco e você nem liga. Você engordou dois quilos e você liga muito. Pois quer estar perfeita para ele. Você quer ser a mais linda, a mais legal, a mais inteligente, a mais bem vestida porque ele é tudo isso e merece a garota perfeita. Você se arruma toda, você ensaia suas falas, você vê filmes e ouve músicas românticas para se inspirar, você espalha para as amigas a notícia de que está amando e quando ele aparece...ah, quando ele aparece, tudo ao redor desaparece. Sua perna fica bamba, suas mãos começam a suar, seu coração bate freneticamente, sua barriga dói e, acredite, é bom! É bom só não. É ótimo, é maravilhoso. Até o dia em que ele vai chegar para você e dizer que te acha uma fofa, mas que ele gosta mesmo é da Carol. Se você tiver sorte, pode ser que esse dia não chegue. Mas pode ser que não apenas chegue, como se repita várias vezes ao longo de sua vida. E o contrário, também. Provavelmente, linda como você é, vai provocar as mesmas sensações em garotos que não te interessam em nada.
Não, filha, não posso te explicar por que as coisas têm que ser assim. Porque eu também não sei. O que eu sei é que nós, humanos, somos assim. Estranhos. Um dia você vai magoar alguém. Um dia alguém vai te magoar. E já não falo mais só de namorados. Falo dos amigos e até de mim. Um dia sua melhor amiga, que passou a vida inteira chorando no seu ombro, pode conhecer um cara legal e sumir da sua vida. Um dia eu posso soltar, sem querer, que "eu esperava mais de você". E você vai se magoar profundamente. Com sua melhor amiga. Comigo. Sem que, ao menos, a gente se dê conta disso, pois não fizemos por mal. E você vai se perguntar: "Por que logo elas, que amo tanto?". Então, já te adianto. É assim mesmo. Só as pessoas a quem amamos podem nos machucar, porque as outras realmente não nos importam. Mas, ainda assim, vale a pena amá-las, sabia? Vou te contar um segredo que nunca contei para ninguém. Coisa entre mãe e filha, tá? Quando eu descobri tudo isso que acabei de te contar, bolei um plano: eu iria me envolver com o menor número de pessoas possível. Assim me magoaria menos. Parecia o plano perfeito até eu notar que, quanto menos gente, menos chateação, é verdade. Mas também era menos amor, menos alegria, menos risos, menos histórias pra contar, menos horinhas de descuido. E viver abrindo mão de tudo isso não é viver. Viver é se arriscar pelas pessoas e pelos sonhos. Porque as compensações valem toda mágoa e frustração.
E se alguém tentar te provar o contrário, lembre-se de que o que importa é que você acredita (e o que sua mãe diz, claro).
Não sei como você é, embora te imagine, secretamente. Não faço a menor ideia de quando virá, embora já te queira desde sempre. Nem sei seu nome, embora já tenha alguns palpites. Ainda assim, decidi me adiantar e te escrever uma carta. Você, que a essa altura já me conhece, deve estar pensando "típico de você se adiantar". Pois é. É bem típico de mim mesmo. Mas, nesse caso, tem uma razão que vai além da minha ansiedade e da minha mania incorrigível de passar o carro na frente dos bois. Escrevo agora porque, dizem, o amor de mãe é o maior amor que existe no mundo. Tenho medo, então, de ficar tão boba por causa desse amor e dessa vontade de proteção, a ponto de não conseguir abrir seus olhinhos para certas verdades desse mundo. Escrever agora, que você ainda está num lugar muito mais legal que aqui, vai me doer menos.
Não sei se ser sonhadora é uma característica genética ou hereditária mas, por via das dúvidas, acho melhor te alertar, de cara, sobre esse assunto: os sonhos. Não, meu bem, não estou falando dessas historinhas bonitas com anjinhos e nuvens que você vê quando está dormindo. Falo de todas as suas vontades, de todos os seus desejos e de tudo aquilo em que você acredita. A primeira coisa que você precisa saber é que os seus sonhos são só seus. Eu mesma, que te amo mais que tudo, posso até acreditar neles também. Mas eles são seus. Isso significa duas coisas. Você pode ser ridicularizada e desencorajada por pessoas insensíveis e descrentes com os sonhos alheios. Mas isso não importa. Exatamente porque o sonho é seu, só você é quem pode mover mundos e fundos para que ele se realize. Ou seja, a descrença alheia não faz diferença. Eu não queria ter que dizer isso também, mas me vejo obrigada: luta, dedicação, insistência não são garantias de que seu sonho vai se realizar. Mas calma! Isso não significa que você não vá lutar, se dedicar e insistir. Sabe por quê? Porque o mais legal do sonho, na verdade, é o caminho que você percorre indo atrás dele. Você pode acabar descobrindo coisas, nesse caminho, muito mais interessantes que o programado destino final.
Você pode, por exemplo, não conseguir o trabalho que tanto sonhou. Mas pode, muito bem, se apaixonar por uma pessoa incrível na entrevista de emprego. Ok, ok. Sei que ainda não está familiarizada com esse negócio de se apaixonar, mas vou tentar te explicar (e, com meu coração de mãe, torcer muito para que demore o máximo possível até que você se familiarize). Quando você se apaixona, tudo parece menor. Você vai mal na escola e você nem liga. Seu time perde e você nem liga. Sua mãe (eu, no caso) te dá uma bronca e você nem liga. Sua amiga está um saco e você nem liga. Você engordou dois quilos e você liga muito. Pois quer estar perfeita para ele. Você quer ser a mais linda, a mais legal, a mais inteligente, a mais bem vestida porque ele é tudo isso e merece a garota perfeita. Você se arruma toda, você ensaia suas falas, você vê filmes e ouve músicas românticas para se inspirar, você espalha para as amigas a notícia de que está amando e quando ele aparece...ah, quando ele aparece, tudo ao redor desaparece. Sua perna fica bamba, suas mãos começam a suar, seu coração bate freneticamente, sua barriga dói e, acredite, é bom! É bom só não. É ótimo, é maravilhoso. Até o dia em que ele vai chegar para você e dizer que te acha uma fofa, mas que ele gosta mesmo é da Carol. Se você tiver sorte, pode ser que esse dia não chegue. Mas pode ser que não apenas chegue, como se repita várias vezes ao longo de sua vida. E o contrário, também. Provavelmente, linda como você é, vai provocar as mesmas sensações em garotos que não te interessam em nada.
Não, filha, não posso te explicar por que as coisas têm que ser assim. Porque eu também não sei. O que eu sei é que nós, humanos, somos assim. Estranhos. Um dia você vai magoar alguém. Um dia alguém vai te magoar. E já não falo mais só de namorados. Falo dos amigos e até de mim. Um dia sua melhor amiga, que passou a vida inteira chorando no seu ombro, pode conhecer um cara legal e sumir da sua vida. Um dia eu posso soltar, sem querer, que "eu esperava mais de você". E você vai se magoar profundamente. Com sua melhor amiga. Comigo. Sem que, ao menos, a gente se dê conta disso, pois não fizemos por mal. E você vai se perguntar: "Por que logo elas, que amo tanto?". Então, já te adianto. É assim mesmo. Só as pessoas a quem amamos podem nos machucar, porque as outras realmente não nos importam. Mas, ainda assim, vale a pena amá-las, sabia? Vou te contar um segredo que nunca contei para ninguém. Coisa entre mãe e filha, tá? Quando eu descobri tudo isso que acabei de te contar, bolei um plano: eu iria me envolver com o menor número de pessoas possível. Assim me magoaria menos. Parecia o plano perfeito até eu notar que, quanto menos gente, menos chateação, é verdade. Mas também era menos amor, menos alegria, menos risos, menos histórias pra contar, menos horinhas de descuido. E viver abrindo mão de tudo isso não é viver. Viver é se arriscar pelas pessoas e pelos sonhos. Porque as compensações valem toda mágoa e frustração.
E se alguém tentar te provar o contrário, lembre-se de que o que importa é que você acredita (e o que sua mãe diz, claro).
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