Tarsila no céu
A cachorra chamava-se Tarsila, nome dado a ela em homenagem à filha
mais ilustre de Capivari. Inteligente, ágil e, sobretudo, simpática,
acompanhou o casal desde o começo do namoro. Foram dias felizes.
Passeavam, corriam e brincavam, enquanto o tempo passava. E o tempo
passou. O casal teve dois filhos e a família conviveu em paz, felizes,
como os adesivos de carro.
Desde pequenos, os filhos faziam-na de trampolim, de travesseiro, de
bola de futebol, de abanador. Puxavam suas orelhas, deitavam sobre sua
barriga, faziam aqueles carinhos meio marotos, que só os pequenos sabem
fazer. Tarsila mantinha a calma. As crianças eram sua prole, e ela as
amava. Mas ela foi envelhecendo, perdeu o pelo, teve tumor e, para
completar, uma doença na pele. Já quase não se levantava, apenas
cheirava. Seus olhos baços não contemplavam mais os entes queridos.
Estava quase cega. Mesmo assim, encontrava forças para fazer alguma
graça, saudar os espevitados quando chegavam da escola, no final da
tarde. Marido e mulher preocupavam-se com um final que se aproximava,
mas mantinham-na sob constante observação, veterinário, banhos e tosa,
alimentação especial…Tarsila gostava do final da tarde, era o seu momento, o sossego, a calma, a felicidade tranqüila no tapete da sala. A velhice foi crescendo dentro da vontade de viver e a morte chegou, irremediavelmente.
As crianças ouviram pela segunda vez a palavra fatídica. A velha bisa foi embora algum tempo antes, com seus noventa e tantos anos. A cachorra foi plácida e sem sofrimentos em uma tarde fresca. Foi sacrificada no veterinário.
A mãe procurou explicar a morte da melhor maneira possível, disse que a cachorra gostava tanto da bisavó que foi ao encontro da velha no céu. Duas velhinhas queridas estavam lá em cima, além das nuvens, além do azul.
O menino não se conformou. Já com saudades e com um bocadinho de revolta tentou argumentar com o pai, homem alto e forte, por que a deixaram subir. Tão sábios e inteligentes, deveriam tê-la segurado pelas pernas, já que o rabo havia sido cortado quando Tarsila nasceu.
Curitiba abril 2011
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