Quando o amor era amor
Eu ainda lembro quando o amor era amor. Precisando ele era másculo, firme, prático, objetivo. Quando a ocasião exigia era feminino, doce e cheio de predicados. E eu gostava disso!
Quando o amor estava preocupado em ser apenas amor, não existiam ciúmes, indecisão, carência. Amar era bom.
O amor, quando era apenas um sentimento, não esfolava a alma, não embrulhava o estomago, não arranhava o peito. Nem precisava agitar o frasco para ele aparecer, ficar mais denso, tampouco quando ele sumia não despertava saudade. Despertava a certeza de que estava descansando um bocadinho para surgir mais forte. E o melhor de tudo era que a gente sempre sabia do paradeiro dele. Isso sim era amor.
O amor causava a mesma sensação de cair no pote de sorvete. Abocanhar um sanduíche. Lamber até o final. Ele se deixava ser usufruído, degustado, usado, sem a mobilidade da fuga. Ali estava o amor a nosso dispor.
Quando era somente amor, não havia ladainhas incansáveis, receitas ou conselhos de especialistas. O amor tinha apenas a consciência cristalina de que era amor. Ele era o que tinha sido destinado. Ninguém precisava assistir a um filme romântico, ouvir a última canção, e nem buscar indícios de felicidade. Na verdade o amor nada precisava para ser o sujeito decente e bacana que ele era.
O amor dispensava tarde de chuva, manhãs de setembro com as flores desabrochando no jardim da pracinha, embora se por acaso isso acontecesse, esquentava a temporada e colaborava com o clima, mas não era obrigatório, a natureza fazer nenhum esforço. O amor por si só, cumpria o que prometia, sem salamaleques.
Quando o amor era o principal não havia situações impostas, discos favoritos, combinações astrológicas, substantivos, pronomes e plurais, pormenores adocicados. Não havia viés romântico, jogos mortais, resenhas do que deveria ser dito.
Ninguém precisava pensar duas vezes, analisar, criticar, bater palmas ou oferecer medalhas por qualquer gesto natural do amor. Amor era o sucesso do momento, sem edições esgotadas.
Quando o amor era amor, amar não aprisionava ninguém. Não havia a montanha russa da indecisão e nem o sebo nas canelas de medo do romance acontecer. Esse sim era o amor magistral, aqui, na China, em Fernando de Noronha ou em qualquer aldeia perdida no meio da floresta Amazônica.
Quando era amor, habitava no mesmo cômodo, seja no Palácio de Versalhes, na tenda cigana ou embaixo do Viaduto do Chá. Era amor, meu caro, fazer o que?
O amor era amor e o céu, uma imensidão de nuvens azuladas testemunhando Nando Reis dizer, que românticos são loucos e poucos.
Quando era amor um sentimento de verdade, não havia controvérsias, vice-versa, fronteiras, pontes ou escapadelas. Amor era lucro presumido compatível com a oferta do coração desejoso. Amor era a matemática exata, tão certa como um mais um andam rentes fazendo uma única sombra.
Quando o amor era apenas amor, eu achava simples, fácil de acreditar. Incrementaram com goiabadas, marmeladas, teorias, adereços. Mudaram a receita, desorganizaram a sequência, mexeram no repertório, prescreveram rivotril, vodka, café forte, lingerie e outros feitiços. “Não sei mais amar e peço desculpas por isso.”
Ita Portugal
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