segunda-feira, 15 de agosto de 2016

 

A MENINA DO DESENHO (Crônica


Rangel Alves da Costa


As mãos pequeninas se moviam pela folha branca, arrastando lápis de cor azul, amarelo, vermelho, de todas as cores, e depois o desenho ficava por lá, em cima da cama, perto da janela, pois a menina desenhava o que via lá fora.
A mãe se aproximava, olhava a criação da filha, achava sempre linda, mas porque merecia ser vista assim e não como um julgamento bondoso. Contudo, ficava se perguntando por que em cada desenho, lá pertinho de alguma nuvem, a menina inseria sempre alguma coisa que parecia não fazer parte da paisagem.
Assim, todas as tardes, logo após fazer as os deveres e aprender as lições da escola, a menina ia pra sua janela com a prancheta, o papel e a caixa de lápis de cor e começava a desenhar o que via ou que vinha na sua imaginação.
Desenhou um castelo medieval, com uma princesa de coroa na cabeça, solitária na sua janela, como se estivesse olhando adiante e esperando o seu príncipe chegar. Por cima, no céu azul de nuvens brancas, pertinho de um sol esmaecido, a menina desenhou um olho fechado.
Quando a mãe perguntou por que aquele olho estava ali e daquele jeito, ela respondeu que era o olho da princesa apertado de saudade do seu amor.
Desenhou uma paisagem bonita, num campo todo tomado de girassóis, e no centro uma casinha ao lado de um enorme moinho de vento. Embaixo desse moinho, com os cabelos esvoaçantes, uma menina parecendo se entreter com a beleza da paisagem ao entardecer. Mas lá no alto, quase no fundo da hélice, a menina desenhou um olho semiaberto.
Quando a mãe viu o desenho tão lindo, porém melancólico demais, perguntou o que aquele olhou nem fechado nem aberto estava fazendo ali. E ela disse que estava assim porque naquele momento a menina desenhada não sabia se ficava triste nem alegre.
Desenhou um rio correndo, num leito bem raso, azul-claro de pouca cor, colocou umas serras em cada lado e mais abaixo umas pedras, e bem ao fundo, debaixo de umas nuvens escurecidas, prontas para chover a qualquer instante, uma cachoeira com um fiozinho de água descendo. E acima da descida da cachoeira, já chegando perto da nuvem mais negra e mais cheia, ela desenhou um olho aberto.
Quando a mãe encontrou o desenho em cima da banquinha e disse que estava maravilhoso, porém muito triste, muito sombrio, até parecendo que se não chovesse logo aquele fiozinho de água da cachoeira iria sumir. E disse ainda à filha que não tinha entendido mesmo o que aquele olho estava fazendo ali. E a menina simplesmente respondeu que se não chovesse o olho ia chorar para fazer a água correr novamente.
Desenhou uma janela bem grande e dentro dela o rosto de uma menina. Só que a menina que estava na janela era ela, desenhada se olhando num espelho. Sendo ela como ela mesma, não enfeitou muito a janela e apenas colocou dois olhos abertos por cima, já chegando ao telhado.
Quando a mãe avistou o desenho por cima da cama tomou um susto. Ergueu o papel de pouca cor e reconheceu a filha na janela. E quanta felicidade se fez naquele coração maternal, vendo que a filha havia se autorretratada e linda como realmente era. Só não entendeu a presença daqueles dois olhos na parte de cima. Perguntou à menina o motivo e esta disse que os dois olhos queriam dizer que ela já estava enxergando tudo na vida.
Desenhou outra janela e dentro dela novamente ela. Ao lado colocou umas folhas secas voando ao vento e um passarinho entristecido. No mesmo lugar desenhou outros dois olhos, sendo um fechado e outro aberto. O aberto fazia descer duas lágrimas.
Quando a mãe encontrou o desenho foi um espanto só. Quase o mesmo desenho, só que agora mais triste, com folhas e pássaro tristonho e aquele olho chorando. Preocupada, perguntou à pequenina porque o desenho estava daquele jeito. E ela respondeu que era porque já estava enxergando certas coisas da vida e o que via lhe fazia chorar.
Desenhou mais uma janela e se colocou dentro dela. Dessa vez se contentou somente com a janela e com ela, não colocando olho nenhum, nem fechado, nem aberto e nem chorando.
Quando a mãe viu o desenho, cheia de alegria porque aqueles olhos estranhos haviam sumido, nem quis comentar sobre o fato. Mas a filha falou e disse que ali não tinha mais nenhum olho porque os dela bastavam para enxergar a realidade e chorar de verdade.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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